Dentro de mim existe um lugar onde vivo inteiramente só
e é lá que se renovam as nascentes que nunca secam.
P.Buch

26 de dezembro de 2013

FELIZ ANO NOVO


Você não pode ficar olhando para baixo, para você mesmo como se fosse seu próprio inimigo, com esse hábito de se sentir menor, sem valor, falando ou pensando frases como: “Ah, eu não vou conseguir isso... Isso é muito difícil, não vai dar certo. Não sou capaz. Não sou suficiente”.  Para que precisamos de uma mente assim? Essa visão vai atrapalhar qualquer tipo de pensamento. Se sua mente tem esse hábito, você não vai conseguir nada mesmo.
 
Esse hábito da mente é o que rouba toda a sua paz, sua capacidade de ver situações de todos os ângulos. Porque, por mais que você entenda a situação, o hábito vem e rouba tudo. Temos que nos levantar, levantar nossa própria mente e a visão de nós mesmos, eliminando da nossa mente esse hábito de olhar pra baixo. Não podemos nos afogar nas situações, precisamos nos elevar.
 
Como eliminar esse hábito de sua mente?  Através de se autoconhecer, de se ver a você mesmo por aquilo que você realmente é. Isso é meditação, ou seja, você se auto-observa – suas reações mentais frente a determinadas situações.
 
A mente pode ser minha amiga ou minha inimiga. Amiga é aquela pessoa que está somando, que está junto, ao seu lado. A mente amiga é aquela que está do nosso lado para que possamos adquirir conhecimento, que dê uma clareza de nós mesmos. É aquela que eu entendo o que se passa nela, que tem a capacidade de lidar com as situações. Assim precisamos capacitar nossa mente para que ela possa compreender que nós somos livres de limitação.
 
O processo para isso é a apreciação de mim mesmo, porque mesmo que eu conheça o Absoluto, o hábito de me ver limitado rouba esse conhecimento e toma conta da mente. Então o que precisamos é desenvolver a capacidade de trazer de volta essa visão de nós mesmos e vermos a plenitude da nossa natureza. E na hora que a mente vai reagir, trazemos de volta a visão de quem realmente somos – seres livres de limitação, plenos.
 
A todo momento as situações são uma oportunidade para uma revisão de mim mesma. Quando as coisas acontecem, naquele momento é a oportunidade para eu aprender mais sobre a minha própria natureza.
 
Toda causa do sofrimento está pendurada na ignorância em relação à minha própria natureza. A visão de falta e de insuficiência sobre mim mesma é a própria limitação.
 
Quando conseguimos perceber que somos na essência livres de limitações, e quando olhamos esse universo imenso, vemos que tudo tem uma razão de ser. Não existe nada que seja irrelevante, que não tenha uma lógica, um por quê. Tem um funcionamento, uma harmonia, uma ordem que permeia tudo no universo, nos oceanos, nas montanhas, nos animais e inclusive em mim mesma, no meu corpo físico, mental etc.
 
E toda essa ordem cósmica se torna importante para complementar o entendimento que tenho sobre mim mesma. Já que eu faço parte do universo, todo o universo está em mim e portanto também estou sob o comando dessa ordem cósmica.
 
Quando entendemos que existe essa ordem maior, cedemos a essa ordem, porque confiamos que essa ordem está em todas as coisas que vemos e também reconhecemos que existe essa ordem em relação à ação e em relação aos resultados da ação de todas as situações que acontecem na minha vida e na vida das outras pessoas. Então eu posso confiar que o resultado das minhas ações são adequados. O que vem é exatamente aquilo que deve vir.
 
Essa compreensão do infalível, de um todo que a tudo governa é o que me permite um relaxamento. Mesmo que o que vem não seja exatamente aquilo que eu queria, eu sei que isso é o adequado, é o justo. Não sendo o que eu quero, sempre tenho a chance de fazer tudo de novo, me esforçar mais uma vez.  Assim eu confio no resultado que vier porque eu confio na ordem maior que a tudo governa.
 
Com essa reflexão, eu desejo a todas as pessoas que me dão a honra de tê-los como leitores que este ano que se inicia seja uma oportunidade para nos desfazermos de nossos hábitos de nos vermos como seres limitados, restabelecendo o nosso olhar verdadeiro para nós mesmos e para todo o universo do qual fazemos parte e assim sermos presenteados com um relaxamento interno que é a própria paz que já somos. 

 (ideias tiradas das palestras da Glória Ariera e que fazem tanto sentido para mim)

                                   Feliz Ano novo. Que todos seres sejam felizes sempre!
                                

8 de dezembro de 2013

"DEZEMBRITE'

Ontem ouvi do meu professor de Yoga a palavra “dezembrite”. Gostei dessa palavra, pois ela expressa mesmo o que acontece nesse mês de dezembro.

É só ir ao shopping e observar uma ansiedade no ar dos adultos e crianças. Os pais querendo compensar crianças por todo o ano que passaram sem eles, os filhos cobrando dos pais presentes caríssimos como se isso fosse uma valorização de seus pais. E todos querem comprar, gastar sem se dar conta do que isso representa de fato. Também tem aquela história de fechar ciclos. Fechar ciclos é muito bom, mas às vezes achamos que todos os ciclos se finalizam no dia 31 de dezembro. Aí saímos fazendo coisas. Vamos para a academia para emagrecer os quilos que tínhamos nos prometido no início de ano e depois engordamos tudo entre Natal e ano novo. Os professores nessa época também ficam com “dezembrite”, pois têm que entregar notas, corrigir provas, falar com pais de professores etc etc. Os alunos têm que tirar a nota ideal para fechar “este ano”, como se só agora ele fosse aprender o conteúdo. As empresas estão no fechamento do ano e as contas têm que bater, o lucro tem que aparecer e todos os funcionários também ficam com “dezembrite”. 

“Dezembrite” faz com que a gente fique voltado para fora sem contato interno e saímos como robôs fazendo o que todo mundo faz sem se questionar. Corremos contra o tempo para poder fechar todos os ciclos no último dia do ano. Mas eis que chega o primeiro dia do ano seguinte e, se olharmos pra dentro, nada fechou exatamente.

Incrível, tudo está lá para ser vivido, compreendido, assimilado. Os obstáculos mentais estão lá para serem ultrapassados – a mudança que eu queria não aconteceu porque coloquei minha energia no exterior, nos objetos e não capacitei minha mente para viver os obstáculos internos e externos. Poxa, pensei que se o ano acabasse tudo estaria novinho em folha! Nada mudou verdadeiramente. As mudanças são consequências. Eu trabalho minha mente, eu a capacito e o resultado é a mudança. O caminho para isso não são os opostos: é o caminho do meio, é a consciência do que é mesmo importante, do que é essencial.

Um remédio "antidezembrite" é a gratidão e a atenção no seu foco interno. Gratidão porque é um sentimento que te equilibra, te acomoda em qualquer situação e a atenção ao seu foco que faz você saber quem você é e para onde está indo. Se você sabe para onde está indo, ninguém e nada te leva a outro lugar ou te distrai de seus objetivos mais íntimos.

Que esse momento cheio de agitação econômica misturada com a agitação emocional seja de paz interna, gratidão e observância de si mesmo.

10 de novembro de 2013

Acão

No Mud, no Lotus

Fazer, fazer, fazer. Há períodos em nossa vida que ligamos o botãozinho do fazer e quase sem pensar vamos fazendo coisas quase que mecanicamente e, às vezes, nos frustramos com o resultado.
 
A ação é fruto da natureza do nosso corpo e da nossa mente. Mas o problema da ação não é a ação em si. Não é ela que nos causa sofrimento, mas sim as nossas reações, devido aos nossos gostos e aversões.
 
Agimos a partir daquilo que gostamos ou não gostamos, mesmo que para isso seja preciso agir inadequadamente. Se prestarmos atenção em uma reação, vamos perceber que ela está embasada no que eu gosto ou no que eu não gosto e, portanto, baseada totalmente em nosso ego, nos nossos medos, na nossa raiva, no nosso sentimento de carência e na nossa autoestima. Dessa forma qualquer ação que você realizar, pode gerar sofrimento.
 
Quantas vezes ficamos em dúvida se fazemos ou não determinada ação. Se há dúvida é porque não analisamos se essa ação está embasada no ego ou naquele silêncio interno onde todas as fontes são renováveis.
 
Se você tem dúvida em realizar alguma ação ou não, é melhor realizá-la, porque só assim virão à tona os conteúdos com os quais você tem de lidar. E, ao lidar com as situações que estão acontecendo, você lida também com as frustrações, pois elas são contrárias às nossas expectativas.
 
Eu tenho que dar oportunidade para as reações acontecerem para eu poder entender como lidar com elas, com a minha reação, a minha relação com o outro que reage e a minha reação frente à situação. Então o problema não está na ação a ser tomada, mas na resposta da ação.
 
Às vezes pensamos: “Se eu resolver esse problema, a minha vida vai ser uma maravilha”.  A gente projeta uma solução e uma felicidade para depois. Só que no processo de resolver esse  problema a gente adquire mais uns dois ou três problemas naturalmente e aí a felicidade que a gente imaginou não acontece. Assim, não existe um momento em que a vida vai ser resolvida, porque a minha mente muda, meu corpo muda, as pessoas mudam, os desejos mudam, o mundo muda, tudo muda.
 
A chave para nos libertar desse aprisionamento está na não projeção da felicidade e em saber lidar com os opostos (meus gostos e aversões), com a mente tranquila, livre dos desejos, da raiva e dos medos. Ao identificar nossas reações, nossas tendências, nossos hábitos, percebemos que todas aquelas reações, tudo aquilo não somos nós. Existe um eu mais profundo que encontramos no nosso silêncio, que nos observa, e é esse eu que está sentado no nosso corpo, iluminando esse corpo que queremos conhecer melhor e é lá que acharemos o nosso refugio e reconheceremos a paz que já somos.
 
O foco, portanto, não é a ação, mas adquirir meios para entender certas coisas e para poder abrir mão de certas coisas, soltar coisas com as quais estamos apegados, reconhecendo quem já somos.

27 de outubro de 2013

Problema

A mente humana é constantemente um campo de batalha com todas as variedades de emoções. Na verdade temos sempre 2 tipos de problemas: o problema relativo e o problema fundamental.

O problema relativo é aquele que tem começo, meio e, portanto, terá um fim. São problemas de insegurança, falta de riqueza, falta de reconhecimento, contas para pagar, falta de outras coisas, uma dor física, perda de trabalho, um relacionamento acabado, uma ruga a mais, a vizinha que brigou comigo, alguém querido morreu, a minha tristeza porque o outro não faz o que eu quero, a minha raiva porque tive uma expectativa frustrada e por aí vai. Todos esses problemas têm data de nascimento e, portanto, têm data para acabar. É um problema momentâneo - ontem você não tinha esse problema, hoje você tem e amanhã não o terá. Problemas relativos não têm fim, porque você elimina um e aparece outro. Relativamente em nossa vida nunca vamos conseguir estar livre de problemas. Temos que gerenciá-los e isso demanda uma capacidade. Em relação ao universo, as coisas nunca serão exatamente como você gostaria que fossem, porque outras pessoas também envolvidas pensam de uma outra maneira e vão lutar para que a outra maneira prevaleça. Então não tem como resolver todos os problemas relativos. De qualquer lado que formos teremos perdas e ganhos.

O problema fundamental é o de se sentir inadequado em qualquer situação, qualquer conquista. O mundo sempre vai apresentar situações para que eu não esteja completamente confortável e feliz comigo mesmo no nível físico, no emocional, no intelectual, com as pessoas ao meu redor, com reconhecimentos etc. O problema fundamental é descobrir a mim mesmo como um ser que é livre do sofrimento, descobrindo uma plenitude e uma totalidade em mim mesma, de forma que eu possa lidar com qualquer adversidade nesse mundo. Queremos ser felizes de uma forma definitiva. Então isso pode acontecer se eu descobrir uma paz comigo mesma, lidando com as situações externas do mundo de uma forma mais adequada, com tolerância frente às situações porque, basicamente, eu já estou confortável comigo mesma – eu já sou essa paz.

Não seremos completamente felizes resolvendo todos os tipos de problemas relativos. Vamos momentaneamente resolver problemas e isso dará um relaxamento, mas aí vamos adquirir outros problemas e resolvê-los. Aí aparece um novo relaxamento, mas, fundamentalmente, continuaremos da mesma maneira carentes, pois resolvendo os problemas não mudamos a percepção de nós mesmos. É necessário que conheçamos mais sobre nós mesmos. E o que somos realmente é um ser consciente das próprias emoções, do próprio corpo etc. Eu sou aquele que habita o corpo e que dá vida a esse corpo. E mesmo que esse corpo seja destruído, a consciência continua existindo.

Sofremos porque nos vemos como infelizes. O maior refúgio é a clareza mental, é a capacidade de discernir o que você está sentindo. Não é nem resolver o seu problema, é entendê-lo e a solução será uma consequência de seu entendimento.

Discernimos o problema quando dou uma direção em minha vida buscando não resolver os problemas do dia a dia, mas buscando um autoconhecimento, algo que me liberte de estar sempre tentando estar melhor do que estou agora, para que eu possa estar confortável comigo mesma, que eu possa me libertar dessa carência constante e aí descobrir uma satisfação em mim mesma.

Essa paz e totalidade em mim mesma faz com que desejos possam vir, possam brotar em mim. Eu posso satisfazê-los ou não satisfazê-los, mas eu continuo repleta comigo mesma. Quando o conhecimento de você mesmo e da paz que você é estiverem estabelecidos aí então você não oscila mais.
 
(trecho tirado da palestra de Glória Ariera)

22 de setembro de 2013

Servir

A árvore cai com grande barulho,
mas não se escuta a floresta que cresce
                                  (provérbio zaire)

 
Incrivelmente tenho notado que as pessoas entre 50 e 60 anos, aposentadas ou quase, têm uma outra realidade intensa e silenciosa sendo vivida. É que muitas delas estão cuidando ou de seu pai ou de sua mãe. Algumas dessas mães estão muito bem fisicamente, outras nem tanto, umas com Alzheimer, outras com demência senil, outras simplesmente envelhecendo. Eu mesma tenho minha mãe de 91 anos e que dois anos atrás cuidava da casa toda e de meu pai e ainda fazia broas para um café da tarde para a família reunida. E foi justamente após a morte de meu pai que ela começou a declinar bem mais rapidamente. A memória está falhando, não se lembra mais do que aconteceu ontem e, com olhos de criança, repete a mesma pergunta várias vezes ao dia, talvez tentando recuperar a conexão perdida.
 
Parece uma história como outra qualquer, mas existe algo intenso acontecendo para nós, seus filhos. De repente, você troca de papéis. Você “perde” sua mãe e passa ser a mãe dela. E essa “orfandade” te coloca num lugar vazio que faz você pensar em si mesma e no que está fazendo de sua vida. À medida que ela vai perguntando as mesmas perguntas, você vai se lembrando de sua infância, de suas próprias dificuldades na família e, ao mesmo tempo, vai pensando no futuro que já está no presente. Às vezes, muitas vezes, você não quer estar alí e sente culpa por sentir isso. Às vezes você se cansa de responder às mesmas perguntas e tem que respirar fundo e respondê-las como se fosse a primeira vez.
 
Muitas vezes quando estou com ela, eu me pergunto quase como um mantra: “Por que é que estou aqui mesmo?” e eu mesma respondo: “Para servir, Zezé.”  É servir a mim mesma, para praticar a minha humanidade, para entender o que é a vida, para aprender a dar valor ao que que realmente tem valor, para compreender sobre a vida, sobre o viver e sobre o morrer. Para compreender que não somos só esse corpo físico, que não somos só as nossas emoções, que não somos só os papéis que representamos nessa existência, que não somos só a profissão que exercemos, não somos só os nossos medos e não somos só a nossa mente que pensa e que se lembra das coisas. Na quietude de minha mãe observo dentro de seus olhos que ela é mais que isso, e esses mesmos olhos me dizem que eu também sou mais que isso.
 
Olho para mim e vejo a intensidade desse momento dentro de mim. Estou fechando ciclos e abrindo outros com hormônios desaparecendo e a tentativa de me descobrir diferente, com mais serenidade e mais certeza de que ainda estou no começo da aprendizagem sobre o viver e morrer.  Minha mãe, lá nos seus 91 anos, também vive algo muito intenso dentro dela, tão intenso que ela gosta de ficar em silêncio. E quando pergunto o que ela está pensando naquela quietude, ela diz: “Nada, só estou descansando a mente”.
 
Descansar a mente significa que ela não está no comando. Não é mais a mente que diz o que eu tenho que pensar, que lembrar ou fazer. A mente é um conjunto de pensamentos. Os pensamentos nascem onde? Na consciência. Então também não somos os pensamentos, somos a consciência que a tudo ilumina.
 
Assim, parece que os velhinhos estão ali quietinhos, mas dentro deles um intenso movimento está acontecendo. E também há, em nós, seus filhos, uma intensidade de movimentos. E a melhor opção nesse momento é sair do senso comum e vivenciar essa experiência, aprendendo sobre nós mesmos, sobre quem somos. Afinal, estamos alí para que mesmo? Para servir. De alguma maneira também minha mãe está ali doando sua experiência, tecendo suas histórias para servir a mim trazendo tantos conteúdos para meu aprendizado.
 
Quando conseguimos “descansar a mente” é porque ela não tem mais nada a fazer, porque estamos conosco mesmo, estamos em paz.
 

14 de setembro de 2013

AMOR


Nós todos em algum momento experimentamos o amor. Todos nós desejamos ser amados, pois assim podemos sentir a experiência do amor. Por eu não me ver amando a mim mesma há uma pressão para que eu seja amada por alguém e então busco alguém para me amar. Mas, na verdade, eu só posso me sentir amada por alguém se eu sentir amor por mim mesma. Isso sim é uma experiência permanente do amor.
 
Se a visão que eu tenho de mim ou do mundo faz com que eu não lide adequadamente comigo mesmo, então, sem dúvida, essa visão de mim mesma tem que ser modificada.
 
Mas às vezes nos sentimos como uma pessoa na qual está faltando alguma coisa e vamos vivendo, vivendo e nada fazemos para ter uma completude. Isso não é definitivamente viver uma vida plena.
 
Se a visão que temos de nós mesmos é errada, então temos um problema e, se não solucionamos este problema em nós mesmos, sempre buscaremos a solução em outras pessoas, no amor de outra pessoa, no relacionamento de outra pessoa, no aplauso de outra pessoa e nunca teremos a solução em nós mesmos.
 
Relacionamo-nos egoisticamente de tal maneira que misturamos o que é do outro e o que é nosso. Pensamos que podemos viver toda a expectativa despejada no início do relacionamento sem levar em conta que do outro lado está uma pessoa também em confusão sobre ela mesma. Se não sabemos quem somos, ao dizer que amamos uma outra pessoa, na verdade o que amamos é aquilo que faz com que estejamos bem e satisfeitas.
 
Então, entender quem eu sou me liberta de quem eu não sou, mas penso que sou.

Quando vivemos o amor, conhecemos essa totalidade que já somos. Essa totalidade que é completamente aceita por nós. Nós somos essa totalidade.
 
A única maneira de ter paz num relacionamento é dar a outra pessoa a permissão de ela ser quem ela é. E só aceitamos as pessoas como elas são se nos aceitarmos como somos.

7 de setembro de 2013

Todas as vidas


TODAS AS VIDAS
(Cora Carolina)
 
Vive dentro de mim
uma cabocla velha
de mau olhado, acocorada ao pé do borralho,
olhando para o fogo.
Benze quebranto.
Bota feitiço…
Ogum. Orixá.
macumba, ferreiro.
Ogã, pai-de-santo…
 
Vive dentro de mim
a lavadeira do Rio Vermelho,
seu cheiro gostoso
d’água e sabão.
Rodilhada de pano.
Trouxa de roupa,
pedra de anil.
Sua coroa verde de são-caetano.
 
Vive dentro de mim
a mulher cozinheira.
Pimenta e cebola.
Quitute bem feito.
Panela de barro.
Taipa de lenha.
Cozinha antiga
toda pretinha.
Bem cacheada de picumã.
Pedra pontuda.
Cumbuco de coco.
Pisando alho-sal.
 
Vive dentro de mim
a mulher do povo.
Bem proletária.
Bem linguaruda,
desabusada, sem preconceitos,
de casca-grossa,
de chinelinha,
e filharada.
 
Vive dentro de mim
a mulher roceira.
-Enxerto da terra,
meio casmurra.
Trabalhadeira.
Madrugadeira.
Analfabeta.
De pé no chão.
Bem parideira.
Bem criadeira.
Seus doze filhos.
Seus vinte netos.
 
Vive dentro de mim
a mulher da vida.
Minha irmãzinha…
Fingindo alegre seu triste fado.
 
Todas as vidas dentro de mim:
Na minha vida -
a vida mera das obscuras.

1 de setembro de 2013

Liberação

"Nós todos experimentos o amor.
A ninguém é negada a constante experiência do amor"
 (Swami Dayananda Saraswati)

 
O foco de uma vida de aprendizado deve ser, conforme venho aprendendo com os ensinamentos da antiga tradição chamada Vedanta, trabalhar com a nossa mente de forma que ela seja um instrumento a nosso favor. Comandar a nossa mente significa entender o que está acontecendo e, a partir daí, à luz do entendimento, tomar atitudes adequadas para mim e para o outro. Ou, ainda, não fazer nada. Muitas vezes compreendemos que certas coisas fazem parte da ordem cósmica e a aceitamos. E, ao aceitarmos, sabemos o que fazer.

Toda sabedoria que temos em relação às nossas emoções nos fazem ver que a minha dor é a mesma dor do outro. Assim nos colocamos na posição do outro e não tomamos atitudes que não gostaríamos que tomassem conosco. Desse modo, há um relaxamento interno e podemos ver que nossa natureza não é a dor, mas é a maturidade.
 
Mente tranquila não é a mente sem problemas, mas aquela que entende o que acontece em nós. Tendo o conhecimento de sua mente e da ordem cósmica (aquilo que acontece e que você não pode mudar), você pode lidar bem com o evento que lhe ocorre. Com isso você relaxa, você não fica sujeito a tudo que lhe acontece.
 
Nossa consciência muda através de nossas experiências, quando vamos tomando consciência de nosso corpo, de nossas emoções, de nossa dor. A consciência pura, total, se reflete nesse corpo (aí dizemos que temos consciência física), se reflete no meu corpo emocional (e aí dizemos que temos consciência emocional). Ao adquirirmos essas consciências, vamos nos expandindo e amadurecendo.

O vídeo abaixo foi um presente para mim, pois pude perceber como podemos tomar atitudes diferentes diante de eventos. Podemos nos fixar no evento e achar que somos isso, ou podemos, apesar deles, ainda atingir um estado de libertação das nossas próprias limitações, que são a nossa própria natureza.

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17 de agosto de 2013

Infância

E foi em 1964 que eu entrei no Grupo Escolar Felipe Cantúsio, lá no Parque Industrial. A escola havia sido inaugurada um ano antes. Era novinha e grande, enorme mesmo. As salas de aulas ficavam em torno de um jardim lindo. A rua era de terra, mas a frente da escola era aberta e sem pichação alguma, nem mesmo a tal de “grafite” que eu particularmente não admiro.
 
A classe número 4 foi onde fiz o primeiro ano e eu amava a professora, Dona Helenice, que me ensinou a ler e escrever na Cartilha Caminho Suave. Gratidão profunda a ela.
 
Eu tinha um caderno não espiral, encapado com plástico xadrezinho de amarelo, um lápis preto, uma borracha, uma régua de 20 cm e um apontador, tudo guardado organizadamente no estojo de madeira. Tudo isso ia na minha bolsa, da qual sempre me lembro ao sentir o cheiro de couro. A lancheira também era de couro e nela ia sempre banana e pão que, às vezes, eu dava para as meninas mais pobres que não tinham nem mesmo calçados.
 
Meu uniforme, a bolsa, a lancheira, tudo isso durou 4 anos. Minha mãe só ia descendo a barra da saia à medida que eu crescia. No recreio brincávamos de roda. Eu sofria quando demorava ser escolhida para ir pro centro da roda e, depois, sofria quando estava lá dentro, coisas de criança tímida.
 
Todos os dias, ao chegar da escola eu fazia meu “para casa” sem mesmo tirar o uniforme, porque queria ficar livre das “obrigações” para poder brincar. Me lembro de brincar de ser professora e imitava tudo que elas diziam. Depois de almoçar, corria para a casa da Maria Preta, de quem já falei neste blog, e lá ia ouvir suas histórias que tanto me fascinavam, e contava a ela meu dia na escola. Mostrava meu caderninho e ela sem saber ler uma letra sequer, admirava e me elogiava.
 
Depois eu voltava para casa e brincava no quintal com sabugos de milhos, latinhas, terra, louzinha que tinha ganhado de minha irmã Nadir com um punhado de giz coloridos. Brinquedos não tinha e por isso criava os meus próprios. Adorava escrever em meus cadernos e pintar os carimbos que as professoras colocavam no cantinho de cada folha. Lápis de cor também não tinha. Era emprestado de algumas outras alunas. Mas a escola era o meu mundo novo que se abria. E eu amava. Nas férias, ficava contando os dias para o retorno.
 
E assim corriam os dias longos, com árvores, parreiras, um pé de mexerica que ouvia todas as minhas conversas com meus amigos imaginários e que via o meu olhar pro alto fazendo histórias das nuvens que teimavam em desenhar no céu.
 
Hoje me pus a pensar sobre isso. Talvez por notar que algumas crianças não brincam mais, não têm brinquedos de criança. Têm como objeto de desejo os Ipads, celulares de últimas gerações. Também não conheço nenhuma criança hoje que goste da escola. Incrível. Os pais têm medo que eles se sintam diferentes dos outros. Mas até que ser diferente pode ser bom.
 
Se faltou algo na minha infância, ou não, não importa. Importa que eu sou o que sou hoje, catando todos esses ingredientes, misturando e fazendo uma grande metáfora para que meus olhos continuem vendo a vida com a mesma beleza do quintal verde de minha casa com céu azul. Como diz Paulinho da Viola, “não vivo de passado, mas o passado vive em mim.
 
Talvez isso também acontecerá com essas crianças que não têm acesso a quintais, sabugos de milhos e amor a professoras.
 

4 de agosto de 2013

Soltar

Andar de domingo de manhã na Lagoa do Taquaral é um momento tão agradável que dispensa qualquer raciocínio interpretativo. É simplesmente agradável e ponto. Como diz meu poeta favorito, Fernando Pessoa, na roupagem de Alberto Caeiro: 

"O mundo não se fez para pensarmos nele
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...
Pensar é estar doente dos olhos.
Pensar em nada é ter a alma própria e inteira.
Pensar em nada.   É viver intimamente."  

 Mas hoje andando por lá vi uma paisagem diferente. As folhas caíam das árvores lentamente se balançando e colorindo o chão. Parecia um outono europeu quente. E eu andando e pensando em eventos desafiadores de minha vida atual. Pensava enquanto caminhava em ritmo acelerado e quanto mais acelerava, mais os pensamentos vinham e me davam uma sensação de limitação.

Estava consciente dessa sensação e não sabia como me desfazer dela. Tentei pensar em outras coisas, mas os outros sentimentos teimavam em esquentar minha cabeça. Que droga, estava cansada daquilo e não sabia o que fazer para parar. Acelerei ainda mais meus passos. E as folhas das árvores se soltando, largando-se simplesmente. Parei, fotografei, abri os braços para ser banhada por elas, respirei. A árvore não fazia nada para se livrar das folhas. Elas simplesmente caíam num ritmo silencioso e de paz. A árvore simplesmente estava vivendo o que ela tinha para viver, recebendo os nutrientes da terra e do sol e se permitindo novas folhas, novas cores. Ela não ficava focando e se questionando porque é que as outras folhas estavam caindo. Ela simplesmente existia e se deixava existir. Era tudo tão natural que fosse assim.
 
 
Assim, por alguns momentos ali parada, pude ver a lição que ela estava me dando. Não adiantava nenhuma força minha para largar o que não tinha mais vida nos meus pensamentos e sentimentos. Eu não precisava fazer nenhum esforço, somente permitir que novos pensamentos mais luminosos chegassem. Respirei fundo. Por um segundo a sensação de limitação desapareceu. Que profundos são esses momentos em que o medo desaparece, a negatividade desaparece, a dor física desaparece e então nos damos conta de que somos pertencentes a todo esse universo que a todo tempo se interage com nós mesmos.

 
Depois encontrei minha amiga Eliana que estava correndo e ela me disse: “Vamos, vamos...” e eu:  “Hum, acho que não consigo correr...”   E ela: “Corre um pouco e anda um pouco e assim você vai conseguindo correr mais. Tchau tchau, bom te ver....” E lá fui eu pensando que, na verdade, podia sim fazer isso. Que a limitação são só nossos pensamentos mesmo. Respirei, corri um pouco, andei um pouco e foi muito bom.


 
E há alguns dias, minha amiga Cristina me deu uma oferenda muito peculiar. É uma pequena boneca maia, com não mais que 5 cm de altura, feita à mão, vestida com trajes típicos, que se chama “Worry People”, nome dado pelos próprios maias. Junto com a boneca, vem um cartão explicando que, segundo a lenda, quando os maias tinham problemas, contavam para as “Worry People”. Então, à noite, eles colocavam-na debaixo do travesseiro e, quando acordavam, as “Worry People” tinham levados todos problemas embora.
 
 
 
 
Então, muita coisa a aprender com as "Worry People", as folhas e os pensamentos que temos que simplesmente que largar, soltar.

27 de julho de 2013

8 horas de trabalho

A quantidade de tempo que as pessoas passam no trabalho hoje faz com que elas comecem a pensar na qualidade de vida, no que está perdendo com sua família e com sua própria vida. Sem ver saída para isso, muitas pessoas se deprimem e vivem uma vida sem prazeres, sem usar a capacidade que têm de criar outras possibilidades.

Li um artigo de Leonhard Widrich intitulado “A origem das 8 horas de trabalho e porque devemos repensá-las” que achei interessante. Encontrei ali algumas dicas.

Ele começa explicando de quem foi a idéia de trabalharmos 8 horas por dia: “A resposta está escondida na história da Revolução Industrial. No final do século 18, quando as empresas começaram a maximizar seus lucros, as fábricas funcionavam sem parar, em regime 24/7. Para tornar as coisas mais eficientes, as pessoas tinham que trabalhar mais. A norma era que as pessoas trabalhassem entre 10 e 16 horas. 

Essas horas laborais incrivelmente longas estavam insustentáveis até que um homem corajoso chamado Robert Owen começou uma campanha para que essas pessoas não trabalhassem mais que 8 horas por dia. Seu slogan era: "oito horas de trabalho, oito horas de lazer, oito horas de descanso. Não demorou muito para que a Ford implementasse em 1914, as oito horas diárias. Para a surpresa de muitas indústrias, isso resultou na mesma produtividade desses trabalhadores, mas em menos horas, aumentando a margem de lucro da Ford no período de dois anos. Isso incentivou outras companhias a adotarem um padrão de oito horas para os seus empregados.

Ele ainda sugere que a quantidade de horas que trabalhamos não é um fator decisivo para a sua eficiência ou produtividade e é pouco importante na economia criativa de hoje. Ele cita o autor Tony Schwatz que diz que o foco deve estar na sua energia e não no seu tempo e que, como humanos, temos 4 tipos de energia para administrar todos os dias:

1. Sua energia física - Quão saudável você está?
2. Sua energia emocional - Você está feliz?
3. Sua energia mental - Você está conseguindo se concentrar?
4. Sua energia espiritual - Por que você está fazendo tudo isso? Qual o propósito?

Uma das coisas que nós esquecemos é que, como humanos, nós somos diferentes das máquinas. Na essência, isso significa que as máquinas funcionam de forma linear e humanos se movem em ciclos. Para ter um dia produtivo, que respeite nossa natureza humana, a primeira coisa a se fazer é focar nos ritmos ultradianos. O entendimento básico é que a mente humana pode se concentrar em qualquer tarefa por 90 a 120 minutos. Após isso, é necessário um intervalo de 20 a 30 minutos para nós nos renovarmos e atingirmos uma boa performance para a próxima atividade.

Ele sugere então que, ao invés de pensarmos no que eu posso fazer em 8 horas, poderíamos pensar em o que eu posso fazer numa sessão de 90 minutos. É preciso dividir tudo em intervalos de 90 minutos. Isso faz com que o trabalho flua com mais concentração, pois o cérebro utiliza um processo de 2 passos:

1 - Aumento da sensibilidade - Significa que você pode ver uma cena e pegar as informações apresentadas. Então, você foca naquilo que precisa da sua atenção. "Como uma foto embaçada que lentamente vai se focando", descreve Lifehacker.

2 - Seleção eficiente - Isto é o "zoom" de quando estamos realizando uma tarefa. Isso nos permite entrar na chama de estado de fluidez. Agora nosso trabalho começa de verdade.

E assim é necessário para transformar sua estrutura cerebral de aprendizado para o foco:

- Parar de fazer várias tarefas para evitar se distrair no seu ambiente de trabalho
- Eliminar as distrações mesmo quando você só tiver apenas uma tarefa para cumprir

Ele também coloca algumas dicas para melhorar seu dia de trabalho:

- Aumente a relevância das tarefas > Muitos de nós ainda se esforçam para encontrar foco, especialmente se ninguém estabeleceu um deadline. Substituir seu sistema de atenção e criar seu próprio deadline, junto a uma recompensa, mostrou ser uma das melhores maneiras de melhorar o desempenho para completar as tarefas, de acordo com o pesquisador Keikuke Fukuda.

- Divida o seu dia em períodos de 90 minutos > Em vez de olhar para 8, 6 ou 10 horas de trabalho, divida o dia e perceba que você tem quatro, cinco ou tantos períodos de 90 minutos. Dessa forma, você terá tarefas que pode fazer todos os dias com mais facilidade.

- Planeje seu descanso para que você possa de fato descansar > “A pessoa que está mais em forma não é aquela que corre a maior distância, mas a que otimizou seu tempo de descanso", disse Tony Schwartz. Muitas vezes, nós estamos tão ocupados planejando o nosso trabalho, que esquecemos 'como' descansar", afirma. Planeje de antemão o que vai fazer no seu descanso. Aqui algumas ideias: dormir, ler, meditar, lanchar.

O importante mesmo é saber que o seu trabalho faz parte de sua vida como tantas outras coisas. E ele pode ser prazeroso e gerar satisfação interna. Para equilibrarmos tudo isso é necessário um profundo autoestudo para descobrir se podemos ser seres inteiros e completos fazendo o trabalho que estamos fazendo. Através dele aprendemos coisas técnicas e principalmente aprendemos a nos relacionar com o outro e conosco mesmo. A todo tempo nos questionamos se sabermos colocar limites, se sabemos dizer não, se aceitamos a  diferença do outro, se não agredimos o outro e a nós mesmos. Clareamos nossos valores internos para checar se o que estamos fazendo bate com eles ou me afasta deles nos tornando pessoas não confiáveis a nós mesmos, já que pensamos uma coisa e fazemos outra.

Sejam 8, 6 ou 4 horas, é importante que possamos lembrar que não somos só o papel que representamos profissionalmente. Temos mais papeis a desempenhar na vida. E ao desempenhar esses papéis percebemos mais profundamente que não somos de fato esses papeis, somos mais que tudo isso. Temos um aprendizado a viver nessa existência e não devemos nem podemos nos perder de nós mesmos.