A
árvore cai com grande barulho,
mas não
se escuta a floresta que cresce
(provérbio zaire)
Incrivelmente
tenho notado que as pessoas entre 50 e 60 anos, aposentadas ou quase, têm uma
outra realidade intensa e silenciosa sendo vivida. É que muitas delas estão
cuidando ou de seu pai ou de sua mãe. Algumas dessas mães estão muito bem
fisicamente, outras nem tanto, umas com Alzheimer, outras com demência senil,
outras simplesmente envelhecendo. Eu mesma tenho minha mãe de 91 anos e que
dois anos atrás cuidava da casa toda e de meu pai e ainda fazia broas para um
café da tarde para a família reunida. E foi justamente após a morte de meu pai
que ela começou a declinar bem mais rapidamente. A memória está falhando, não
se lembra mais do que aconteceu ontem e, com olhos de criança, repete a mesma
pergunta várias vezes ao dia, talvez tentando recuperar a conexão perdida.
Parece
uma história como outra qualquer, mas existe algo intenso acontecendo para nós,
seus filhos. De repente, você troca de papéis. Você “perde” sua mãe e passa ser
a mãe dela. E essa “orfandade” te coloca num lugar vazio que faz você pensar em
si mesma e no que está fazendo de sua vida. À medida que ela vai perguntando as
mesmas perguntas, você vai se lembrando de sua infância, de suas próprias
dificuldades na família e, ao mesmo tempo, vai pensando no futuro que já está
no presente. Às vezes, muitas vezes, você não quer estar alí e sente culpa por
sentir isso. Às vezes você se cansa de responder às mesmas perguntas e tem que
respirar fundo e respondê-las como se fosse a primeira vez.
Muitas
vezes quando estou com ela, eu me pergunto quase como um mantra: “Por que é que estou aqui mesmo?” e eu
mesma respondo: “Para servir, Zezé.”
É servir a mim mesma, para praticar a minha humanidade, para entender o que é a
vida, para aprender a dar valor ao que que realmente tem valor, para
compreender sobre a vida, sobre o viver e sobre o morrer. Para compreender que
não somos só esse corpo físico, que não somos só as nossas emoções, que não
somos só os papéis que representamos nessa existência, que não somos só a
profissão que exercemos, não somos só os nossos medos e não somos só a nossa
mente que pensa e que se lembra das coisas. Na quietude de minha mãe observo
dentro de seus olhos que ela é mais que isso, e esses mesmos olhos me dizem que
eu também sou mais que isso.
Olho
para mim e vejo a intensidade desse momento dentro de mim. Estou fechando
ciclos e abrindo outros com hormônios desaparecendo e a tentativa de me
descobrir diferente, com mais serenidade e mais certeza de que ainda estou no
começo da aprendizagem sobre o viver e morrer.
Minha mãe, lá nos seus 91 anos, também vive algo muito intenso dentro
dela, tão intenso que ela gosta de ficar em silêncio. E quando pergunto o que
ela está pensando naquela quietude, ela diz: “Nada, só estou descansando a
mente”.
Descansar
a mente significa que ela não está no comando. Não é mais a mente que diz o que
eu tenho que pensar, que lembrar ou fazer. A mente é um conjunto de
pensamentos. Os pensamentos nascem onde? Na consciência. Então também não somos
os pensamentos, somos a consciência que a tudo ilumina.
Assim,
parece que os velhinhos estão ali quietinhos, mas dentro deles um intenso
movimento está acontecendo. E também há, em nós, seus filhos, uma intensidade
de movimentos. E a melhor opção nesse momento é sair do senso comum e vivenciar
essa experiência, aprendendo sobre nós mesmos, sobre quem somos. Afinal, estamos alí para que mesmo? Para servir. De alguma maneira também minha mãe está ali doando sua experiência, tecendo suas histórias para servir a mim trazendo tantos conteúdos para meu aprendizado.
Quando conseguimos “descansar a mente” é porque
ela não tem mais nada a fazer, porque estamos conosco mesmo, estamos em paz.