Dentro de mim existe um lugar onde vivo inteiramente só
e é lá que se renovam as nascentes que nunca secam.
P.Buch

30 de março de 2014

ACCOUNTABILITY

Accountability é uma palavra inglesa que, em português, não conseguimos traduzi-la por uma palavra só. Por isso, as empresas usam essa palavra em inglês mesmo. No livro que estou acabando de ler – Accountability – A revolução da responsabilidade pessoal, de João Cordeiro, ele define assim: “Accountability Pessoal é pegar para si a responsabilidade e gerar respostas com resultados.” Então é mais do que simplesmente responsabilidade. É pegar sua vida em suas mãos, é fazer o que tem que ser feito, é ser responsável pela sua vida, zelar por ela, cultivar relacionamentos e valores – respeito, falar a verdade, não roubar, olhar para o todo e não para seu próprio umbigo etc. Esses valores não são adquiridos de uma hora para a outra, precisamos aprender. Normalmente aprendemos com a família e depois com a escola e com a sociedade de uma maneira geral.

O autor diz que o oposto de Accountability é a “Desculpability” Essa palavra, claro, não existe também no inglês, mas ilustra bem as pessoas que usam a desculpa para todas as coisas que não conseguem realizar. Culpam os pais, o chefe, a empresa, a escola, o vizinho, os governantes – e se colocam como vítimas da própria vida. Já nascemos com a “desculpability” – percebemos isso nas crianças que culpam o irmão para não levarem a culpa. A accountability não é algo nato. Temos que desenvolver essa virtude.

Alguns exemplos de “desculpability”

- Na empresa: “Meu chefe não me avisou...”, “O sistema estava fora do ar...”; “Não recebi o e-mail...”; “Eu não sabia...”; “Sempre foi feito assim...”; “Eu só fiz o que me mandaram...”; “Eu fiz a minha parte...” etc.’

- Na vida pessoal: “Nunca estudei porque era pobre quando criança...”; Não consigo outro trabalho porque o mercado não está aquecido”; “Não sou feliz porque não tenho um namorado”; “Eu queria fazer, mas, mas, mas...”

Por que todos nós nos estressamos com o setor de serviços? Porque ele se alimenta da desculpability. Muitas vezes ouvimos nesses lugares frases como “ Não é nesse setor.” “Tente ligar novamente.” “Não é possível atendê-lo porque a sistema não está funcionando.” “Neste momento as atendentes estão ocupadas”. “O gerente não está”. “A atendente está na hora de almoço”.  Recentemente vi uma reportagem na tv sobre um garoto que morreu ao cair de um barranco onde não havia grade de segurança e a jornalista perguntou à Prefeitura de Campinas qual a posição dela em relação ao assunto e a assessoria de imprensa disse que não poderia se pronunciar por que o sistema não funciona aos sábados e não dava para saber quem era responsável por aquela situação. 

Alguns exemplos de Accountability.

Accountability é o ato de trazer pra si a responsabilidade, gerar respostas com resultados. Tenho uma aluna que dá aulas para crianças de 0 a 5 anos numa escola pública na periferia de Campinas. Ela sentia a necessidade de ter um espaço mais bonito onde as crianças pudessem brincar com segurança. Provavelmente o diretor não tinha feito nada ainda porque não tinha dinheiro, porque o governo não enviava e... blá-blá-blá. Pois ela conseguiu arrumar pneus velhos, conseguiu tinta colorida e, sozinha, coloriu os pneus e colocou no gramado na escola onde as crianças poderiam brincar, plantou árvores, enfim, melhorou muito local ao invés de ficar reclamando do governo ou se colocando numa posição de “eu faço minha parte” e só.
 
Fazer a nossa parte numa sociedade tão individualista e tão corrompida pela falta de valores universais é muito pouco. Fazer só aquilo a que somos pagos para fazer é de uma pobreza intelectual avassaladora.
 
Ou pegamos nossa vida em nossas mãos e contribuímos para uma sociedade melhor ou estamos fadados a ser invadidos pela insatisfação em todas as nossas células. Já descobrimos que não podemos ser felizes só na base do “vou tirar proveito disso e o outro que se dane”. Só seremos felizes se incluirmos o outro em nossa vida, se entendermos que não somos separados do outro e esse outro não é só sua família, é o seu colega de trabalho, é o seu cliente, é o seu atendente, é o seu aluno, o seu professor, é o motorista do ônibus, é o amigo de seu amigo. Só seremos felizes se nos responsabilizarmos pelas situações e ir mais além buscando soluções criativas.
 
Como podemos viver uma vida inteira de maneira comum? Porque não se aventurar a ir um pouco mais além?  Temos esse potencial para sair do comum e buscar dentro de nós a nossa originalidade. Não somos separados e nem podemos ficar fora desse planeta. Como preservo a minha própria natureza? Em que momento vou sair da posição de só receber coisas desse planeta e começar a contribuir verdadeiramente, devolver por amor tudo que recebemos?
 
Ser mais accountable é abrir o seu olhar e ser responsável pelas pequenas decisões do dia a dia, é ter resiliência, tolerância.
 
“A busca competitiva e obstinada por metas externas, como dinheiro, imagem e status, se for bem sucedida, pode trazer breves momentos  de prazer – mas não de felicidade. A felicidade é um estado de espírito. Já as metas internas de crescimento pessoal, respostas a desafios e o desejo genuíno de ajudar, trazem um sentimento de prazer duradouro e são determinantes para que uma pessoa seja feliz, porque elas nos conectam e nos aproximam uns dos outros. Compaixão é o sentimento básico para se doar de forma genuína ao outro, é a base para um mundo melhor.” J. Cordeiro.

“A abelha operosa no meio de um lixo imundo
sempre encontra um lugar doce.

A mosca em uma flor
sempre encontra algo fedido,
algum excremento onde ela pode pousar.

Como você quer viver?
Abelhamente ou moscamente?”

- Professor Hermógenes -

9 de março de 2014

TOLERÃNCIA

Sábado de manhã fico com minha mãe. Momentos únicos e intensos.

Caminhamos em volta do quarteirão e vamos vendo as árvores e minha mãe se surpreendendo de quantos tipos diferentes de árvores existem e de como isso é um verdadeiro milagre.

Às vezes paramos para cheirar algumas flores, outras para ver o gatinho, e as pessoas vão passando por nós e dizendo: “Bom dia Dona Irene, tudo bem?” E ela: “Até que pelos meus quase 92 anos estou bem...”  

Passamos por uma casa de repouso e ela fala com as senhoras que moram lá. Depois passamos pela Escola Vicente Rao, e ela vai dizendo o nome de todas suas amigas que moravam nas casas: “Aqui morava o seu Dito, aqui era a Dona Santa, aqui a Bastiana, e aqui ainda mora o Oscar”. No fim da rua tem um pé de coquinho e ela pega alguns e vai comendo até em casa...“aqui mora a Dona Lídia”...

Aí ela se admira como o prédio que estão construindo está alto. E quando chegamos em casa ela está bem cansada. Aí cozinhamos juntas, quase em silêncio como se fosse uma meditação a dois e eu vou ouvindo o som da faca que vai cortando o repolho tão fininho como só ela sabe cortar. Vou observando o seu jeito e me encanto com tanta delicadeza no trato com os alimentos que, na verdade ela sempre teve, mas agora fica muito bonita essa delicadeza num corpo já tão mais velho.

Almoçamos juntas com a mesa posta. Ela saboreia uma laranja e aí arrumamos a cozinha e tudo fica em paz na cozinha. Depois deitamos nos sofás da sala para dar uma descansadinha e lá conversamos qualquer coisa. Já não me importa mais se ela repete as mesmas perguntas algumas vezes, importa mais essa energia de nós duas juntas. Eu respondo às perguntas como se fosse a primeira vez, sem problemas. Ela vai falando sobre os filhos, os netos, sobre meu pai nos deixou há 2 anos e “quando pessoas que amamos morrem, universos inteiros morrem com elas” (Lou Marinoff), sobre sua sobrinha Luzia, sobre suas irmãs, sobre a morte, sobre a vida, a sua vida.

Sábado passado, estávamos olhando pra fora de casa, encostadas no peitoril da janela do quarto e ela lembrando que aquela avenida era apenas uma ruazinha com mato quando ela mudou para lá, que havia poucas casas e que o ponto do ônibus era perto do curtume etc. etc.  E admirada dizia – “Tudo acaba, tudo acaba e por isso que a gente não deve ficar com problemas com as pessoas, nem brigar, nem ficar ressentida com ninguém, porque disseram isso ou aquilo. Tudo isso é uma grande bobagem. Tudo isso acaba”.

Eu estava gostando de ouvir aquelas palavras porque havia alí uma sabedoria de alguém que já viveu bastante e eu estou começando a entender essa verdade. E eu disse: “Que bom mãe, que a senhora descobriu isso. Isso dá uma paz no coração da gente não dá?” Ela acenou com a cabeça que sim e disse: “O que dá paz mesmo é saber que eu ajudei bastante gente e que eu tinha sempre a intensão de fazer a coisa certa”.

Aí ficamos uns segundinhos em silêncio para assimilarmos aquela deliciosa chuva que estava acontecendo lá fora. E eu arrisquei: “Mãe, qual foi o grande aprendizado que a senhora teve nesses anos todos?”  E ela disse sem pestanejar: “Tolerância.  Aprendi a ser tolerante com tudo e com todos.”  Aí ela resolveu ir lavar umas pecinhas de roupa e eu continuei alí no meu silêncio absorvendo essa conversa tão significativa pra mim. Fiquei pensando nessa palavra e como era isso comigo.

Tolerância... fui ao dicionário: “Tendência a admitir, nos outros, maneiras de pensar, de agir e de sentir diferentes.”

Nossa, como isso às vezes se torna um desafio! Às vezes nosso ego nos pega pelos pés e nos faz reagir a tudo e a todos que não pensam como nós! Reagimos através de nossa dor, de nossa ignorância, de nossos padrões. Temos o velho hábito de nos acharmos sempre corretos e, pior, queremos que os outros façam e ajam como queremos. Queremos que o outro mude para validarmos o que pensamos sobre as coisas e a vida.

Tolerância é uma virtude e, segundo Aristóteles e Confúcio, a virtude é uma questão de hábito, não pode ser aprendida apenas se falando sobre ela – tem que ser praticada. 

E volta minha mãe, lá do tanque e diz: “Agora vou dar mais uma deitadinha porque meu corpo cansa depressa”. Sim, mãe... vamos lá.

                                   A lei de ouro do comportamento é a tolerância mútua,
já que nunca pensaremos todos da mesma maneira,
já que nunca veremos senão uma parte da verdade e sob ângulos diversos.
(Mahatma Gandhi)

2 de março de 2014

SATISFAÇÃO NO TRABALHO


“A recompensa de seu trabalho dever ser
a satisfação que o trabalho lhe proporciona
e a necessidade que o mundo tem desse trabalho.”
(W.E.B. Du Bois).

 
É com essa frase que um capítulo do livro: “Mais Platão menos Prozac” começa falando sobre o trabalho e de como ele, às vezes, não funciona para nós. Aqui algumas considerações sobre o que andei lendo nesse capítulo:

Hoje em dia há muitas questões vivenciadas por pessoas no ambiente de trabalho. Há pessoas que tentam resolver conflitos éticos e morais para controlar as outras pessoas, outras tentam achar o significado, o propósito de seu trabalho numa esfera mais ampla do que somente atingir aquele número que é sua meta determinada pelo superior, outras pessoas estão tentando achar um equilíbrio entre o trabalho e as outras áreas de sua vida, e outras trabalham tanto que nem tem tempo de pensar nessas questões. Simplesmente acordam e vão trabalhar executando atividades sem se dar conta de qual seu papel na vida.

As pessoas querem fazer um bom trabalho e ser reconhecidas por isso. Muitos chefes, por viverem ainda nos velhos paradigmas, não entendem que o reconhecimento das realizações de seus subordinados é um grande e verdadeiro incentivador. Mas se você não tem esse reconhecimento, ao invés de se colocar como vítima, talvez deva tirar a satisfação do simples fato de saber que fez um bom trabalho. Fazer bem seu trabalho, numa perspectiva filosófica, não quer dizer que você tenha que fazê-lo com perfeição ou melhor do que o outro. O valor está em trabalhar com afinco e fazer o melhor possível. Talvez fazer seu melhor não te leve ao topo, mas fazendo o melhor possível, você ganha a satisfação pessoal que é a parte valiosa do trabalho.

Encontrar um trabalho certo para você é uma das maneiras mais seguras de se realizar. Todos temos talentos particulares e descobri-los e determinar como usá-los contribui para a sensação de significado e objetivo na vida cotidiana. Um trabalho significativo é parte integrante da vida significativa.

Outro aspecto comentado é o do conflito pessoal. Claro que sempre que houver pessoas reunidas, haverá diferenças pessoais e conflitos. A filosofia budista diz que conflitos externos entre pessoas quase sempre são um produto de conflitos internos dentro da pessoa e, segundo Lao Tse, o verdadeiro sinal de força é você poder dar-se ao luxo de ser gentil.

A questão ética também é algo abordado por fazer parte da vida profissional de muitos trabalhadores. No nível mais básico, para viver eticamente é preciso certificar-se de que o seu trabalho também é ético. Se alguma coisa o deixa moralmente constrangido, não permita que a legalidade por si só o tranquilize. Legalizar algo, não o torna correto. Não é tarefa fácil matar ou subornar sua consciência. A filosofia chinesa ensina que a marca da coisa certa é que, ao fazê-la, você permanece inocente. Se suas ações causam danos a outras, não são éticas.

Portanto, gentileza, autovalorização, respeito aos seus próprios valores, ética e autoconhecimento são ingredientes fundamentais para você ter um bom ambiente de trabalho, para você saber como está contribuindo nesse mundo e para você sentir-se satisfeito consigo mesmo. Se expandirmos um pouco mais podemos, com o mesmo olhar, direcionar nossa consciência para as outras áreas de nossa vida.