Dentro de mim existe um lugar onde vivo inteiramente só
e é lá que se renovam as nascentes que nunca secam.
P.Buch

17 de agosto de 2014

COMIDA BOA


Almoço em Findhorn - Reverência
Há muitos prazeres no nosso dia a dia. Estou em um momento de minha vida em que procuro perceber o prazer em tudo que está a minha volta. Já faz algum tempo que não tenho essa divisão entre o momento em que eu estou me divertindo e o momento em que estou trabalhando. Não tenho aquele sentimento de que o domingo à noite seja uma divisão entre o prazer e o desprazer. 
Durante minha rotina, às vezes estou dando aulas, outras vezes estou dirigindo e ouvindo música, limpando minha casa, outras vezes fazendo Yoga, meditando no meu quarto, tomando banho, cozinhando, mais aulas, andando com o Ed na lagoa do Taquaral e falando sobre os mais diversos assuntos, às vezes me vejo falando com o porteiro do prédio, outras com vizinhas queridas, às vezes estou almoçando, outras me descabelando em frente ao computador, outras tomando chá, outras vezes  comendo pão de queijo na Unicamp, outras estou com minha mãezinha de 92 anos dando uma volta no quarteirão, e aí a semana passa e nem sinto que acaba porque as coisas vão acontecendo. Mas, no fim, tudo é uma coisa só temperado com ingredientes que vou escolhendo e experimentando.

Enfim não há mesmo uma divisão nas coisas do dia a dia. Mas o que mais gosto mesmo de fazer - e é quase um hobby - é extrair de cada uma dessas atividades a beleza que está escondida nelas, mas que, ao percebê-la, ela se torna tão evidente que me espanto ao notar que ela estivera sempre lá. 

Estava pensando isso hoje na cozinha enquanto preparava o almoço. Comprei uma panela Wok (uma panela milenar e de origem asiática) e fiquei pensando como é que tinha cozinhado até agora sem ela. Fora todas as qualidades dela que todos já conhecem, ela tem um formato que faz a gente ter uma visão da comida muito mais integrativa.

Fiquei pensando que uma geração vai transmitindo uma receita ou um modo de cozinhar para outra geração. Ali mesmo, cozinhando me percebia fazendo coisas que minha mãe, minha avó, minha amiga, minha vizinha fazem.

Aí estava eu cozinhando as batatas com espinafre que iam mudando de cores e cheiros à medida que colocava temperos que foram descobertos muito longe de meu país, por exemplo. Senti estar conectada com todas as gerações que vieram antes de mim e agradeci colocando um pouquinho mais de água. O fogo que transforma fazia com que toda a comida soltasse uma musicalidade que toda a humanidade já ouviu. E eu fiquei ali me deliciando, através de meus 5 sentidos, nessa misturas de sabores, texturas, aromas e música. E ainda pensava na abundância desse planeta que dá tantos alimentos de formas, cores, cheiros e texturas diferentes e quantas pessoas foram necessárias para que aquela minha panela na minha frente estivesse me alimentando. Bem dizem os indianos que os alimentos são mediadores de comunicação entre os homens e os deuses.

À medida em que procuramos as receitas, vamos também procurando nossos antepassados, nossa história, nossos valores de vida, a consciência de que nosso corpo faz parte desse planeta, já que somos feitos da mesma substância. 

Procuramos receitas que nos dão prazer, que têm a ver com a gente. Eu, que sou vegetariana há 33 anos, procurei na Internet e achei o blog chamado “Presunto Vegetariano” http://presuntovegetariano.com.br/ . É um nome divertido, já que quando perguntamos se há alguma coisa sem carne, as pessoas respondem: “Tem esse de presunto e queijo”  Adorei a Paula Lumi que tem antepassados asiáticos e que fala com tal delicadeza sobre os alimentos e do ato de cozinhar que me identifiquei com ela. Até escrevi pra ela dizendo: “Não sei o que gosto mais, se das receitas ou do seu jeito de lidar tão carinhosamente com os alimentos.” E acrescentei uma frase que está rolando no Facebook, da qual desconheço o autor: “Tem gente é que tão bonita por dentro que desconfio que come flores.”

E assim, na rotina de minha vida, vou acrescentando outros ingredientes que vêm do meu passado, ou que penso que crio ou que ensino no presente. E vou aprendendo. E vou me conectando com “a beleza que nutre nosso corpo, mente e alma; cura nosso coração, alimenta nosso intelecto; e é a fonte de benções da satisfação e realização.” (Satish Kumar)
Ah sim, a batata com espinafre que a minha amiga Carmem, que mora em Londres, me ensinou ficou deliciosa. O quibe de berinjela da Paula Lumi também ficou ótimo. Ficou hoje, não sei se ficará da próxima vez, “porque tem dias que eu acerto, e tem dias que eu erro. E é nos erros e acertos que vou me aperfeiçoando e transformando tudo em verdadeiras obras de arte” (Elaine L.A. Eugelbi).