Dentro de mim existe um lugar onde vivo inteiramente só
e é lá que se renovam as nascentes que nunca secam.
P.Buch

5 de dezembro de 2015

SER LIVRE

Outro dia olhava pela janela de meu apartamento - tudo quieto lá fora, as nuvens estão fazendo o meio-dia se tornar meia-noite. Uma quietude bem parecida com a que estou vivendo ultimamente por alguma necessidade interna.  De repente a condição de nossa mente muda e uma outra maturidade surge sem que forcemos nada. A mente funciona com orientação e condicionamento, então é preciso qualificá-la para que ela possa viver como se fosse livre, reconhecer que ela é livre.
      
Ainda ontem perguntava ao Edmilson, meu companheiro de experiências diárias, a razão de um dia antes eu estar tão triste e agora estar tão... tão....  Sem conseguir achar a palavra, ele disse: “Livre”.  Os eventos que me fizeram tristes no dia anterior continuavam os mesmos, então o que havia mudado?  E ele que nem é dado a filosofias ou estudos de Vedanta, me disse: “É porque essa é a natureza da mente – ser livre.”
                     
Fiquei ali quietinha tentando absorver essa compreensão e deixando me inundar por essa sensação de “ser livre”.  Desconfio que isso seja a felicidade que tanto buscamos.

Nossa mente é orientada desde sempre pela sociedade, família etc. para nos julgar e julgar o mundo. Olhamos para o mundo e não queremos que ele seja do jeito que ele é. Olhamos para nós mesmos não queremos ser do jeito que somos. Que grande infelicidade então, já que não temos nenhum controle quanto a isso, porque nossa mente estruturada com as experiências familiares, com os costumes da minha cultura, com o que aprendi nas escolas, no ambiente de trabalho, é assim que ela é. E ela vai reagir através desses condicionamentos e orientações. De uma certa forma, entregamos nossa mente às orientações equivocadas do mundo. E essa nossa mente e a sociedade nos dão a fantasia de como devemos ser.

O Swami Dayananda diz: Quando os valores sociais não correspondem aos valores universais (os eternos) é aí que começa o perigo, porque agora eu não posso mais sentir paz.”

Desejo tantas coisas e quando as tenho, ainda assim parece que não sou feliz. Tenho tantas verdades construídas por essa mente, por essa sociedade e quando começo a me relacionar com o mundo me vejo cheia de confusões, porque todas as coisas estão apontadas para nos fazer sair do nosso centro. Então o problema deve estar lá no outro. E mesmo pensando que o problema não está em mim, ainda assim não há paz.

Quando nossa mente é muito pequena, qualquer coisa é motivo para nosso sofrimento, nossos medos, angústias e frustrações.

Só nos resta então qualificar essa mente. Mas como criar uma estrutura de mente que me leve ao controle de mim mesma, a um certo relaxamento? Como qualificar essa mente cheia de desejos e confusões? Desconfio que tudo que nos acontece tem esse objetivo: preparar nossa mente e torná-la mais madura.

Precisamos então expandir essa nossa mente, nos aquietar e olhar para dentro, para nossas dificuldades e, ao invés de julgar, ter a capacidade de sentir e acolher o que se sente (a raiva, o medo etc.), acomodar o universo inteiro e não reagir a essas dificuldades automaticamente; deixar de lado certas coisas como apegos emocionais, ideias encapsuladas ou enrijecidas.

E, mais que isso, é preciso expandir a mente, olhar para o horizonte, perceber que existe uma ordem cósmica maior e que o mundo não é o meu problema, mas o que me perturba de fato é a visão que tenho do mundo e das coisas que estão acontecendo à minha volta. Eu gostaria que as coisas fossem diferentes – e é essa a parte que a gente tem que resolver, porque o mundo não é como gostaríamos que fosse.

Com uma mente mais expansiva e apreciando essa ordem cósmica maior eu me torno mais paciente, mais relaxada e assim posso pensar qual é o meu papel no mundo, como eu dou a minha contribuição e ao desempenhar esse papel eu sinto uma certa completude, sinto que sou livre.

Ao observar esse dia que virou noite lá fora e ao ver a água que cai e enche os rios e que essa mesma água vai correr e fluir dentro do meu corpo, me sinto tão abençoada pela vida! Percebo tão claramente essa ordem maior se descortinando na minha frente me dando esse sentimento de completude e pertencimento que desconfio então que isso é que me faz ter esse sentimento agora de ser livre. OM.

28 de junho de 2015

REFÚGIOS

Em nossa rotina, vamos nos deparando com tantos momentos de esperança, tristezas, alegrias e impotência com relação a nós mesmos, à nossa casa, à nossa cidade, ao nosso país, à humanidade. Ainda outro dia ouvia a  palestra na CPFL de Viviani Mosé, que falava sobre a gestão-de-si. E a pergunta que ficou foi: como podemos ter uma boa gestão de uma escola, de uma empresa, de um prédio, de uma família, de um país, se não temos uma boa gestão de nós mesmos?

Eu não sei como eu funciono nem física, emocional ou mentalmente e, portanto, a única coisa que consigo fazer é reagir através de minhas crenças e meus padrões criados desde quando criança. Nem a família, nem a escola nos têm ajudado e aí queremos ser gestores de pessoas. Pegamos formatos velhos e ultrapassados, não questionamos nada, porque também sobre mim eu não questiono e aplicamos esse formato a realidades tão diversas. Claro, não funciona. Não ousamos criar novos formatos nem fora de nós, nem dentro de nós mesmos. Continuamos pensando quadrado, apegados ao que já está aqui, dançando entre velhos paradigmas tanto na política quanto nas filosofias religiosas ou questões psicológicas ou da educação, mesmo que não funcionem mais.  Ficamos lá fazendo de conta que nos gerenciamos, que gerenciamos o nosso redor, sem ousar uma mudança interna, um olhar para dentro de nós mesmos, sem ver o mundo mais amplo e com mais generosidade.

Sem esse “conhecer-se”, sem esse saber de como funciono não há refúgios, só há confusão mental. Os refúgios são pontes que ligam o que vivo com aquilo que eu sou. É aquele momento em que você se sente completo, pleno e, por isso, surge aquele relaxamento interno. Às vezes experimentamos esse refúgio na natureza. Eu não me canso de olhar todas as árvores que me esperam todos os dias onde passo de carro indo para o trabalho, passando por Barão Geraldo ou andando nas ruas de Campinas. E também me lembro das árvores dos parques de Londres, de Findhorn, de Totnes. E também as árvores do bairro onde nasci e que todas as manhãs de sábado as reencontro enquanto caminho lentamente com minha mãe que não se cansa de admirá-las. E, de alguma maneira, me lembro das árvores das montanhas dos Himalaias, onde nunca fui. Elas estão sempre lá. E, conforme as estações passam, elas se vestem diferentes para celebrar as mudanças, a inconstância constante dentro do tempo e espaço. É o solo que segura as raízes por todo tempo que ela viver e, por isso, ela permanece forte e espalha os galhos para o céu, recebendo energia do sol, fazendo fotossíntese.

Como diz Satish Kumar, a generosidade do solo é infinita, pois ajuda uma simples semente a se multiplicar em milhares de outras sementes por centenas de anos, produzindo cor, aroma, sabor, alimentando pássaros, abelhas, outros animais e humanos. As árvores celebram a generosidade do solo, oferecendo seus frutos para quem precisar, sem condição, sem julgamento. A árvore dá madeira para a cadeira, dá o galho para o pássaro fazer seu ninho e o oxigênio para manter a vida. A generosidade do sol que queima para manter a vida e faz a Terra se mover e a colheita amadurecer para alimentar todos os seres; da lua que mantém o ciclo do tempo e sustenta a presença das mares, da chuva que emerge dos oceanos vindo das nuvens, se entregando a cada fazenda, campo, floresta, montanhas e humanos sem cobrar nada. A generosidade do ar, do espaço, da alma, da sociedade etc. O mundo é como o vemos e o que fazemos disso. Reconhecer esse refúgio, essa  generosidade do universo não é negar o lado sombrio, mas projetar nele o que queremos.

Tantos refúgios podemos vivenciar dentro de nós mesmos! A arte na expressão da música, das pinturas, da palavra, das ideias, da ação útil, da coerência com que pensamos, sentimos e agimos, com os valores universais atemporais. Também são refúgios os livros que nos preenchem, as ideias que nos conectam a nós mesmos, a quietude que nos faz saber o que estou fazendo aqui, o desejo de contribuir com o outro e com o mundo.

Todos esses refúgios são nossa base que precisamos identificar em nós e são construídos a partir dessa gestão de cada um de si mesmo, desse autoconhecimento que se desdobra todos os dias á medida que perguntamos: “A vida é isso? Ou tem algo mais que isso? E, se tem, eu quero descobrir o que é.

17 de maio de 2015

CRISES

Ainda sobre essa crise da água - e na verdade não é só esta crise que nos deixa de queixos caídos - se ficarmos vivendo nesse estilo de vida não sustentável e desconectado do todo, olhando para o que acontece a nossa volta com a lente da impotência, da raiva ou da negação continuaremos vivendo um mundo velho.

Mundo velho é aquele que segundo, Charles Eisentein no livro “The More Beautiful World Our Hearts Know is Possible”.

 Diz ele: “Vemo-nos como um indivíduo separado entre outros indivíduos separados em um universo que é separado de nós também. Somos um amontoado cartesiano de consciência olhando para fora pelos olhos de um robô feito de carne. Somos uma bolha de psicologia, uma mente separada de outras mentes e da matéria... Em algum nível, dentro de nós, sabemos que nossos sistemas de dinheiro, política, medicina, educação etc, não estão mais entregando os benefícios que um dia entregaram e, na verdade, estão retrocedendo a cada ano. Em algum nível sabemos que a vida era para ser mais alegre que isso, mais real, mais significativa. O mundo era para ser mais bonito e não era para a gente odiar segundas-feiras e viver pelos finais de semana e pelas férias. Não era para a gente ser mantido em quatro paredes num dia bonito, dia após dia, até que a aposentadoria chegue. Não era para milhões estarem morrendo de fome e não era para as florestas diminuírem, os peixes morrerem. Não era para ter problemas fragmentados a serem resolvidos como fatos infelizes ou serem simplesmente ignorados.” 

Com essa crise que estamos enfrentando da água e tantas outras crises, temos que mudar nossos hábitos que estão tão incorporados em nós. E quando começamos a fazer isso, descobrimos que não podemos mudar uma coisa sem mudar tudo, tanto no nível individual quanto no coletivo, pois as nossas instituições externas refletem nossas percepções básicas do mundo, nossas ideologias e sistemas de crenças.
Tudo parece insano quando vejo por exemplo quanto de água sai da máquina de lavar roupa e quanta coisa é possível fazer com ela. E toda água que usamos para lavar verduras, que poderia ser reaproveitada para molhar as plantas. E a água que gastamos ao escovar os dentes debaixo do chuveiro etc.  Quantos hábitos que nem notávamos. Aí vou lembrando de minha mãe lavando o quintal com a água da roupa lavada e o regador sendo enchido com a água dos pés de alface sendo lavados e ao enchê-lo regávamos as alfaces que estavam plantadas. Onde foi parar essa nossa sabedoria?

Outro dia no supermercado vi uma máquina de fazer café. Você coloca uma sachezinhos de pó de café e pronto, seu café está pronto. Aí a propaganda dizia “Compre 14 sachês por 17 reais cada e leve a máquina de graça.” No mesmo tempo lembrei de uma foto de minha amiga Nádia que decidiu ter uma casinha lá numa cidadezinha de Minas Gerais.

A foto era de um café sendo passado num coador de pano. Nossa, quase senti o cheiro do café e o gosto gostoso de ter pessoas por perto conversando enquanto o café saia fininho para a chaleira. Por que precisamos desse sachê que tem pó de café do Brasil e que vai até a Alemanha para eles transformarem em sachês para voltar pro Brasil? E ainda junto com mais um aparelho para eu nem saber onde guardar em minha cozinha, já que hoje os apartamentos são minúsculos?  Fiquei achando muito insano e me deu vontade de tomar um café da Nádia, mesmo não gostando de café.
Então repito: para onde foi nossa sabedoria?

Em algum nível sabemos a resposta. Ainda tirado do livro:

“O meu ser participa do seu ser e de todos os seres. Isso vai além de interdependência — a nossa própria existência é relacional, portanto, o que nós fazemos ao outro, fazemos a nós mesmos. Cada um de nós tem uma dádiva única e necessária a dar ao mundo e o propósito de vida é a expressão de nossas dádivas. Cada ato é significativo e tem um efeito no cosmos e toda pessoa que encontramos e toda experiência que temos espelha algo de dentro de nós mesmos. A humanidade é destinada a se juntar completamente à tribo de toda a vida na Terra, oferecendo nossas dádivas humanas únicas para o bem-estar e o desenvolvimento do todo.”

15 de janeiro de 2015

ÁGUA E ANIVERSÁRIO

O que tem a ver o meu aniversário no dia 19 de janeiro com a água que não enche a represa do Atibaia?  Fazer 58 anos significa alguma coisa. Ninguém vive esses anos sem que alguma coisa seja alterada em seu jeito de viver, de pensar. Nesse dia penso presentear não a mim mesma, mas a minha mãe que emprestou seu corpo para que eu pudesse ter essa oportunidade de experimentar tantas sensações através de meus sentidos perfeitos, de meu corpo perfeito. Gratidão profunda a ela e a todas as mulheres que vieram antes de mim através de tantas gerações doando seus corpos para o nascimento de outros seres.
 
No dia que nasci, minha mãe me disse, quando ela ainda se lembrava disso, que chovia o dia todo, chuva de janeiro, uma chuvinha fina, mas contínua. E nessa atmosfera entre dores, força, bolsa de água se rompendo, confiança e quietude, minha mãe me dava à luz. 
 
E eu pela primeira vez fazia força para o ar entrar no meu pequeno pulmão firmando e ocupando meu espaço nesse mundo. Saí da água, respirei o ar e me coloquei nesse planeta para cumprir a minha própria história.
 
Quando nasci, o mundo já estava pronto para que eu pudesse usufruir de tudo. Gratidão profunda a esse planeta que é todo formado, inclusive meu corpo, dos 5 elementos: espaço, ar, fogo, água e terra.
 
Semana passada, numa viagem de carro pude ver a represa de Atibaia onde, 20 anos atrás, eu brincava de nadar e contemplava aquela imensidão de água do lado de pés de mexericas – mexericas que são cheias de garrafinhas de água, como me ensinou Maria Preta. 
 
Na verdade o que vi agora foi uma faixa marrom de terra em torno de toda a represa. E onde fazemos o retorno para voltar para Campinas pela D. Pedro, onde me surpreendia pelo azul da água lá embaixo, o que vi foi uma grande cratera sem nenhum fio de água... Senti uma dor profunda no peito, tudo parou, até o ar parou. Doía dentro de mim, nas minhas entranhas, constatando que as coisas acabam, até as represas acabam.
 
Dessa forma meio torta percebi que não sou separada do universo, que aquela água, aquela cratera, tudo faz parte de mim mesma. Somos de fato feito dos mesmos elementos. Por isso sentia aquela dor cortante. A vida é tão abundante que me deu essa compreensão de presente pelo meu aniversário, pelo meu esforço de nascer.  Gratidão profunda ao universo que me dá tudo o que preciso para me desenvolver física, emocional, mental e espiritualmente.
 
Sinto assim que o dia do aniversário é o momento em que nos encontramos novamente com aquela força dentro da gente, aquela mesma força que nos fez nascer e reconectar com aquilo que já somos. A força da criação se estabelecendo e reconectando todos os fios da existência.
 
Impossível agora usar água sem sentir essa conexão comigo mesmo, sem lembrar de meu nascimento em um dia chuvoso. Impossível não ficar um pouco mais consciente de como usar essa água que dança e que me abençoa todos os dias e passa por mim,  e volta para os rios e voa para os céus e volta pra mim, pra dentro de mim, me mostrando que somos um só. Gratidão profunda à vida que há na água, que há no planeta, que há em mim. 
 
Não tenho nada a pedir a não ser que eu seja abençoada com o conhecimento de quem eu sou. Parabéns à vida.


A Horta de Nazaré com a represa abaixo
Descendo para a Horta de Nazaré