Dentro de mim existe um lugar onde vivo inteiramente só
e é lá que se renovam as nascentes que nunca secam.
P.Buch

27 de março de 2016

RELACIONAMENTO E LIBERDADE

Daqui desse lugar, vou olhando as montanhas e minha mente vai passando por tantas cenas cotidianas e brotando um mar de sensações e sentimentos.  Crianças de minhas alunas nascendo, nossas mães arrumando a malinha para viajar para outras experiências, casais amigos se separando, se descobrindo, alunos chorando, o dinheiro acabando, pessoas casando, outras se mudando para outro pais, outra cidade... Tantas cenas, tantos eventos... Mas quer saber?  Está tudo certo.

Como nada é coincidência, ouvir hoje a aula do Jonas (professor de Vedanta) foi como resumir tudo isso num entendimento maior de como funcionamos, de como o mundo funciona. Abaixo coloco as anotações que faço ao ouvi-lo.

O entendimento do objetivo humano é algo extremamente importante porque todo mundo, à medida que vai vivendo, tem questionamentos do tipo “qual é a minha missão? Para onde eu vou? O que eu vou fazer? Me sinto perdido, será que estou fazendo o que deveria estar fazendo? Não queria estar trabalhando com isso e sim com algo realmente relevante. Eu me sinto sozinho, as pessoas não sabem o que eu sinto, o que eu vivo. Eu não tenho amigos” etc.

Há 2 tipos de amigos que são legítimos:
1) aquele que está no mesmo vagão de trem. Enquanto estamos lá, existe uma troca, mas quando você desce desse vagão e vai para outra direção, os amigos desaparecem. Isso acontece até mesmo dentro de uma família, quando eles entram em vagões diferentes, mas nem sempre a amizade continua.
2) aquele que está fora do vagão que você está, mas que existe uma conexão por uma força muito mais profunda do que uma convivência.

Normalmente as pessoas se conectam pela convivência  e acabam sendo muletas umas das outras. Eu preciso ser capaz de curtir a felicidade do meu amigo dentro da felicidade dele e curtir a tristeza do meu amigo dentro da tristeza dele. Se não sentimos prazer em escutar a vida de uma pessoa que está triste, essa pessoa nunca vai sentir que você é amigo dela.  Ficamos triste também junto com a tristeza da outra pessoa, mas ao mesmo tempo estamos colaborando para a vida dela, participando de um momento íntimo. Se eu sou capaz de compartilhar dessas alegrias e tristezas, então eu tenho uma conexão, uma amizade. Isso é algo muito raro.

O que acontece é que às vezes a pessoa sai do vagão em que você está  e aí você acha que a pessoa brigou contigo e que não gosta mais de você – na verdade,  ela só está andando em outra direção.  Mas dentro de nossa mente criamos realidades sobre as  pessoas: “Ela me traiu”.  Não, ela não te traiu. Ela só está vivendo a vida dela, e na vida dela, você não é o centro das atenções – é ela. Na sua vida, o centro da atenção é você. Ninguém trai ninguém. Tudo está dentro das cabeças das pessoas.  Primeiro que para você ser traído, você tem que estar com a relação torta, ou seja, você está ali com uma pessoa que não quer estar com você e você está forçando a barra. Você lê os sinais.

Como se resolve uma traição? Você tem que pedir 2 perdões:  1) perdoar a pessoa por ter feito o que fez 2) se perdoar por ter deixado ela fazer o que fez com você. Você não pode achar que a culpa é dela. É o desejo dela, o egoísmo dela,  a necessidade dela de ser feliz, e você não é prioridade, assim como ninguém é prioridade na vida de ninguém.

A base de um relacionamento é a liberdade. Se eu dou liberdade para a outra pessoa que está comigo de ser ela mesma, como ela pode me trair? Quando? Se ela não quer ficar comigo, se ela se interessou por outra pessoa. Aí ela te traiu? Ela não te traiu. Você é que traiu um conceito que você tem em sua mente de que ela iria ficar com você para sempre e que nunca mais se interessaria por mais ninguém.  O estabelecimento dessa ideia é a fonte de sofrimento. Ninguém de verdade tem a capacidade de magoar ninguém. Só nos sentimos magoadas quando dentro de nossa mente está estabelecida uma espécie de fantasia a respeito da realidade e pouca liberdade.  Se há a liberdade você pode perguntar pra outra pessoa se ela quer ficar com você ou com a outra pessoa. Aí você se posiciona.  Dentro de um relacionamento com liberdade a pessoa vai descobrindo a outra porque ela também  está se descobrindo.
O conceito de fim de relacionamento não existe se há liberdade. A verdade é que toda vez que eu estabeleço relacionamento de qualquer tipo mas eu não estabeleço a liberdade das pessoas, o relacionamento está condenado.

A minha relação com cada um não pode ser estabelecida por um ideal de como eu acho que as coisas deveriam ser, mas para uma realidade de que as pessoas querem viver, das responsabilidades dela, dos compromissos dela. Se a liberdade está estabelecida na base dos relacionamentos, então ninguém trai ninguém.

O deslocamento emocional é o sintoma desse mal que a gente vê no mundo.  Às vezes as emoções são tão fortes que mesmo a pessoa entendendo o que sente, a mente volta no padrão anterior. A nossa mente tem por trás dela, uma espécie de funcionamento paralelo. As nossas emoções, nosso ciclo emocional não estão vinculados com o mundo do lado de fora.

As emoções só pegam do cardápio de opções de coisas do mundo o que elas quiserem apresentar hoje.
O que estou sentido, raiva, ansiedade, depressão, é só meu.  E uma vez que entendo que isso não pertence a ninguém, tendo a isolar as pessoas disso tentando resolver o problema sozinha, mas esse problema não será resolvido dessa maneira como imaginávamos.

Não vamos “evoluir espiritualmente” (e aí cabe estudar o que é evoluir espiritualmente) e acabar com a nossa raiva, ódio, medo, etc.  Esses sentimentos todos são a sua criança interior que você carrega em você. Existe uma configuração de emoções e comportamentos e ela nunca mudou e nunca vai mudar depois de qualquer meditação. Ela, a criança, não vai embora.  Ela fica lá esperando uma oportunidade de sair. Às vezes em terapia (instrumento importantíssimo) conseguimos identificar, analisar e aí tiramos aquela carga, o excesso, mas a base dos sentimentos continua ali.

As emoções não têm nada a ver com a nossa felicidade e é aí que está a chave da questão. Ou eu entendo isso e parto para uma outra solução, ou eu fico preso, tentando destruir o mal no mundo e me convencer que eu sou o problema e me chicoteio para resolver isso. Na verdade a solução não é a destruição de suas emoções ou a aniquilação de sua personalidade. Pra dizer a verdade não tem nada de errado em ter essas emoções. Todas as “desgraças” aparentes que aconteceram nas nossas vidas construíram o que somos hoje. O conceito de “mal” tem que ser desconstruído de nossa mente.  O universo o tempo todo coloca obstáculos, tira obstáculos.  Esses conceitos de que Deus premia uns e castiga outros, de que há pessoas, lugares especiais ou não especiais, tudo isso atrapalha uma mente sóbria de pensar sobre o mundo.

Nesse entendimento nosso coração fica em paz porque tudo está dentro de um plano. Não tem motivo para insegurança. Se você se coloca como você se sente, a outra pessoa também faz o mesmo. Só precisa estar preparadas para ouvir. E é nessa troca que existe uma oportunidade de crescimento.  A mãe perfeita não reside nas atitudes que ela tem de tomar, porque as atitudes estão sempre misturadas com ignorância e traumas. A mãe perfeita reside no amor constante que ela sentiu desde o primeiro momento que estava com a filha até mesmo quando essa filha fez algo que ela desaprovou ou quando vibrou por ela ter acertado. Esse amor é da mãe perfeita. Não é a pessoa. Essa pessoa  que está ali nunca vai ser perfeita. Esse sentimento é a mãe perfeita. Viver a vida tentando consertar a filha ou o outro é um estresse, pois nunca vamos conseguir consertar ninguém.  Todos têm seu tempo.

As pessoas nascem separadas. Enquanto o universo permite, ótimo, quando não, temos que saber dar adeus. Então precisamos começar a dar adeus antes. Você constrói esse adeus na liberdade durante todo o relacionamento.  Você constrói o “bem vindo” e você constrói também o adeus.