Dentro de mim existe um lugar onde vivo inteiramente só
e é lá que se renovam as nascentes que nunca secam.
P.Buch

10 de abril de 2011

Monja Coen


Monja Coen
Quando li o que a Monja Coen falou sobre o Japão, fiquei imaginando quanto ainda temos que aprender com relação a nós mesmos. Que não somos separados de nada. Que tudo que fazemos nos afeta de alguma maneira. Coloco na íntegra a entrevista da monja:


Quando voltei ao Brasil, depois de residir doze anos no Japão, me incumbi da difícil missão de transmitir o que mais me impressionou do povo Japonês: Kokoro ou Shin que significa coração-mente-essência.

Como educar pessoas a ter sensibilidade suficiente para sair de si mesmas, de suas necessidades pessoais e se colocar à serviço e disposição do grupo, das outras pessoas, da natureza ilimitada?

Outra palavra é gaman: aguentar, suportar. Educação para ser capaz de suportar dificuldades e superá-las.

Assim, os eventos de 11 de março, no Nordeste japonês, surpreenderam o mundo de duas maneiras. A primeira pela violência do tsunami e dos vários terremotos, bem como dos perigos de radiação das usinas nucleares de Fukushima. A segunda pela disciplina, ordem, dignidade, paciência, honra e respeito de todas as vítimas.

Filas de pessoas passando baldes cheios e vazios, de uma piscina para os banheiros.

Nos abrigos, a surpresa das repórteres norte americanas: ninguém queria tirar vantagem sobre ninguém. Compartilhavam cobertas, alimentos, dores, saudades, preocupações, massagens. Cada qual se mantinha em sua área. As crianças não faziam algazarra, não corriam e gritavam, mas se mantinham no espaço que a família havia reservado.

Não furaram as filas para assistência médica – quantas pessoas necessitando de remédios perdidos- mas esperaram sua vez também para receber água, usar o telefone, receber atenção médica, alimentos, roupas e escalda pés singelos, com pouquíssima água.

Compartilharam também do resfriado, da falta de água para higiene pessoal e coletiva, da fome, da tristeza, da dor, das perdas de verduras, leite, da morte.

Nos supermercados lotados e esvaziados de alimentos, não houve saques. Houve a resignação da tragédia e o agradecimento pelo pouco que recebiam. Ensinamento de Buda, hoje enraizado na cultura e chamado de kansha no kokoro: coração de gratidão.

Sumimasen é outra palavra chave. Desculpe, sinto muito, com licença. Por vezes me parecia que as pessoas pediam desculpas por viver. Desculpe causar preocupação, desculpe incomodar, desculpe precisar falar com você, ou tocar à sua porta. Desculpe pela minha dor, pelo minhas lágrimas, pela minha passagem, pela preocupação que estamos causando ao mundo. Sumimasem.

Quando temos humildade e respeito pensamos nos outros, nos seus sentimentos, necessidades. Quando cuidamos da vida como um todo, somos cuidadas e respeitadas.

O inverso não é verdadeiro: se pensar primeiro em mim e só cuidar de mim, perderei. Cada um de nós, cada uma de nós é o todo manifesto.

Acompanhando as transmissões na TV e na Internet pude pressentir a atenção e cuidado com quem estaria assistindo: mostrar a realidade, sem ofender, sem estarrecer, sem causar pânico. As vítimas encontradas, vivas ou mortas eram gentilmente cobertas pelos grupos de resgate e delicadamente transportadas – quer para as tendas do exército, que serviam de hospital, quer para as ambulâncias, helicópteros, barcos, que os levariam a hospitais.

Análise da situação por especialistas, informações incessantes a toda população pelos oficiais do governo e a noção bem estabelecida de que “somos um só povo e um só país”.

Telefonei várias vezes aos templos por onde passei e recebi telefonemas. Diziam-me do exagero das notícias internacionais, da confiança nas soluções que seriam encontradas e todos me pediram que não cancelasse nossa viagem em Julho próximo.

Aprendemos com essa tragédia o que Buda ensinou há dois mil e quinhentos anos: a vida é transitória, nada é seguro neste mundo, tudo pode ser destruído em um instante e reconstruído novamente.

Reafirmando a Lei da Causalidade podemos perceber como tudo está interligado e que nós humanos não somos e jamais seremos capazes de salvar a Terra. O planeta tem seu próprio movimento e vida. Estamos na superfície, na casquinha mais fina. Os movimentos das placas tectônicas não tem a ver com sentimentos humanos, com divindades, vinganças ou castigos. O que podemos fazer é cuidar da pequena camada produtiva, da água, do solo e do ar que respiramos. E isso já é uma tarefa e tanto.

Aprendemos com o povo japonês que a solidariedade leva à ordem, que a paciência leva à tranquilidade e que o sofrimento compartilhado leva à reconstrução.

Esse exemplo de solidariedade, de bravura, dignidade, de humildade, de respeito aos vivos e aos mortos ficará impresso em todos que acompanharam os eventos que se seguiram a 11 de março.

Minhas preces, meus respeitos, minha ternura e minha imensa tristeza em testemunhar tanto sofrimento e tanta dor de um povo que aprendi a amar e respeitar.

Havia pessoas suas conhecidas na tragédia? me perguntaram. E só posso dizer : todas. Todas eram e são pessoas de meu conhecimento. Com elas aprendi a orar, a ter fé, paciência, persistência. Aprendi a respeitar meus ancestrais e a linhagem de Budas.

6 comentários:

  1. Gostei muito. O oriental tem outro modo de ver a vida. Nós temos mesmo muito que aprender.
    Rudi

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  2. É Zezé, acho que ficou muita coisa pra se aprender com tais acontecimentos. Muita coisa! O que faríamos, brasileiros, diante de tanta catástrofe? Caos total, certamente. Será que nosso povo tem alguma chance de se transformar, com base na cultura da esperteza que estamos construindo há tanto tempo? Eu fico muito mais triste por nós, do que pelos japoneses. Acho que nossa catástrofe, diante de tudo o que temos e não sabemos usar, é sem dúvida muito maior que a deles. Aquela catástofe é pontual, a nossa é perene.

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  3. Fui radical. Perdão. Por que que a gente anda tão definitivo assim, né?

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  4. Oi Zeze', Muito bonito e inspirador este artigo.Vi este jeito japones de ser muitas vezes em diferentes filmes e e' sempre um prazer aprender com eles como viver em paz e harmonia independente das circunstancias.Faz tempo que nao lhe visito, mas aos poucos vou me atualizando com os u'ltimos posts.
    Um Abraco. Cristina

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  5. Oi, Zezé.
    Acho que a Monja Coen é um ótimo canal para nos transmitir e "traduzir" a essência dessa experiência do Japão. Nossa perspectiva ocidental dificulta o entendimento da capacidade que o povo japonês tem de lidar com a adversidade. Ficamos admirados que eles mantenham a dignidade e a civilidade diante do caos, quando nós perdemos a nossa com problemas tão mais cotidianos.
    Beijo
    Sandra

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  6. Há algum tempo participei de um congresso de meditação aqui em Curitiba (no campus da PUCPR) e a Monja Coen conduziu uma meditação caminhando, pelo campus da PUCPR que é lindo. Foi uma experiência bem marcante, até para quem "apreciava" os meditadores. Legal você compartilhar a sabedoria da Monja Coen no seu blog! Parabéns! Beijo

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