Dentro de mim existe um lugar onde vivo inteiramente só
e é lá que se renovam as nascentes que nunca secam.
P.Buch

16 de junho de 2013

Casa do coração

Ir assistir um show no Sarau do Tucum aqui em Barão Geraldo é um dos poucos programas em Campinas que me dá muito prazer. Você entra pelo portão da casa dele que dá de frente para árvores que exalam puro silêncio - e já estamos ouvindo a voz do Tucum explicando, em suas palavras claras, como tudo funciona por lá. Do lado direito fica sua casa com um quintalzinho e pés de caqui que, às vezes, ele sorteia no fim do show (a fruta, não a árvore, of course). E no fim do gramado fica o teatro propriamente dito, onde cabem umas  90 pessoas. Lá só tem música de boa qualidade. Nada de modismos de péssimo gosto. Ufa! Que bom.  Só coisa boa. Também tem um pequeno barzinho onde há vinho e empanadas deliciosas.

O Tucum é uma figura à parte. Ninguém fica sério quando ele fala. Com uma inteligência ímpar, suas tiradas são espontâneas e inspiradas.  Ele é um incansável batalhador pela cultura de Campinas. Seu Ponto de Cultura deve ser o mais ativo da cidade e, quiçá, do Brasil.
 
Fomos lá eu, o Ed, e nossas amigas Sandra e Maria, esta nossa vizinha. Ao olharmos tudo em torno da casa e do local de trabalho do Tucum, ficamos imaginando como seria se morássemos em casas e num estilo meio de comunidade. Cada um com sua pequena casa e espaços em comum para todos. E falávamos de como não precisamos de tanta coisa para preencher casas enormes. Não, nessa altura de nossas vidas preferimos algo simples, onde nosso olhar descansasse na natureza, e a gente se integrasse a ela. Onde continuaríamos com o nosso trabalho, sem a correria do dia a dia, e com mais tempo até de ter nossa hortinha e nossos chás e temperos. Onde o hábito de ter vizinhos cooperativos voltasse a tornar realidade.
 
E ficamos ali nessa viagem, no jardim do Tucum, embaixo da árvore frondosa, tomando vinho e comendo empanada, ao lado de um público bonito que ia chegando à espera do show.
 
Ah. O show.  Foi com Ana Bela e um grupo de amigos que gravou seu último CD “Pé de Vento”. É pessoal da Turma do Cupinzeiro, grupos que preservam a tradição musical brasileira a partir de suas mais marcantes manifestações, como o samba, o choro e outros ritmos que se perderiam no tempo não fosse o trabalho de pessoas como essas.
 
Deixo aqui a letra de uma das canções do show e do CD, cantada com tanto esmero e que veio a calhar com nossa conversa debaixo da árvore no jardim de Tucum.

 
A Casa do Coração.
(Moacyr Luz / Roberto Didio)

 Na casa do coração
Tem um viveiro aberto no quintal
Limoeiro, cedro, bambuzal
Colméia se formando no beiral
Cadeira de balanço, desenho de remanso
Nas águas do pranto do meu litoral 

No quarto do coração
Perto da cama um maleiro marrom
Que guarda meu acordeom
Moedas e uma caixa de bombons
O presente que eu tanto queria
“Alguma Poesia” – o primeiro livro de Drummond

 Seguindo o corredor do coração
O antigo aparador
Um cinzeiro incolor, cinzas no chão
A flor da idade se escondendo no porão
 
É a casa do coração
Sabe arejar no verão
Abro as janelas
Pra tarde passar de vagar
E a gente debruçar
Saboreando a solidão.

9 de junho de 2013

Acomodação


Você já se perguntou qual a nossa capacidade de acomodar a adversidade dentro de nós? Como eu acomodo o frio, o calor, os momentos de alegrias, os sofrimentos etc.? Não é um “aguentar”, mas um acomodar. Como eu acomodo minha vida e tudo que nela acontece dentro de mim? Para uma flor se acomodar em minha mão, a flor tem de ser menor que a mão. Tem que haver um espaço ou ela não consegue se acomodar ali.
 
Estamos o tempo todo vivendo experiências agradáveis que combinam com a nossa expectativa, outras serão desagradáveis, mas, raramente, temos uma situação perfeita. Isso é normal, é inevitável.
 
Reclamamos o tempo todo: “Ai que frio; “ai que calor”; “meu chefe tem mau humor”; “que droga de trânsito”; “não gosto de chuva”; “não gosto de tempo seco”, etc. etc. Você tem como mudar isso?  
 
Se não existe nenhuma ação a ser feita nestes casos, o ponto então é como eu acomodo todas essas adversidades dentro de mim, porque afinal, meu coração é maior do que todas as situações. 
 
Se acomodamos essas pequenas situações inevitáveis dentro de nós, sobrará mais espaço para pensarmos em coisas maiores, para pensarmos em como estou levando a minha vida, que coisas queremos mudar e como fazer isso?  Quem sou eu, quais são os meus valores, por que estou neste trabalho, nesta vida? A lista de questionamento sobre nós mesmos é imensa, então porque sobrecarregar o espaço de nossa mente com coisas que são inevitáveis?
 
Nós temos a escolha de deixar essas pequenas situações inevitáveis nos afetarem. Quanto mais a gente se irrita com um tipo de pessoa, mais poder ela ganha de tirar do meu equilíbrio. Portanto, somos nós mesmos os responsáveis de sair do equilíbrio e não o outro. A única maneira de acomodar essa pessoa internamente é dando o direito dela ser como ela é. Mas insistimos em querer mudar as pessoas, mudar as situações que são inevitáveis. Como posso querer que a temperatura do dia seja a que eu espero? Como querer que o meu chefe seja dessa maneira e não daquela? Essa é uma armadilha para que a gente não olhe para o foco que está dentro de nós mesmos. Eu dou o direito do outro ser como ele é e esqueço. Não fico pensando que ele podia ser diferente etc. Eu acomodo essa situação dentro de mim.
 
Tudo que pensamos e sentimos ficam dependurados na nossa mente. A fofoca é também algo que fica lá e vai aumentando à medida que outras pessoas vão validando aquilo que você diz. Às vezes as pessoas se justificam dizendo que estão falando de uma outra pessoa para desabafar. Ora, desabafar seria então se libertar daquele sentimento asfixiante que a mente carrega. Na verdade essa é uma desculpa bonitinha que arrumamos para justificar tal atitude. Ao fazer a fofoca, ao falar do outro a gente quer mesmo que o ouvinte nos valide. E ao ser validado, o sentimento aumenta e não nos livramos dele.
 
Não existe um coração que acomoda todas as pessoas, o que existe é “eu acomodo essa pessoa que eu já sei que me irrita.” Então eu acomodo essa pessoa que eu sei que me irrita. Na hora que ela faz algo que me irrita, nesse momento eu dou o direito de ser quem ela é, e deixo a situação de lado. Assim, a cada situação difícil que me incomoda, arrumamos um espaço dentro de nós para não nos sentirmos incomodados por essas adversidades, pois são inevitáveis.
 
O nosso intelecto, aquele que pensa, raciocina e tem lógica é o que ilumina a mente agitada e as emoções. E quem ilumina nosso intelecto é a consciência. Podemos usar todos esses instrumentos porque todos nós fomos abençoados com eles. 

(Alguns trechos e ideias desse texto foram inspirados nas palestras de Gloria Arieira)

 
Se a gente cresce com os golpes duros da vida,
também pode crescer com os toques suaves na alma.
Nada faz sentido neste mundo se não tocamos o coração de uma pessoa

(Dalai Lama).

2 de junho de 2013

Aprendendo

Foi lá na Casa Siloé, em Vinhedo, que conheci Mariana.  E todos que participaram do retiro de Yoga se encantaram com a pequena de 5 anos de idade, filha da suave Lisiane.

Fazia tempo que não encontrava uma criança que não fosse estressada, pensei até que não existisse mais.

Ela andava e corria como uma fadinha por todo jardim segurando sua boneca Lili e corria com tanta leveza, pois tinha a total certeza de que sua mãe estaria alí olhando por ela caso ela precisasse. E por isso ela podia ir e vir com confiança. Um dia ela quis ficar comigo no meu quarto e lá ela me contou histórias enquanto desenhava num papel, o que me levou ao meu tempo de criança. E eu ensinei a ela como se fazia um barquinho de papel... Ela participava de todos as práticas de Yoga e com suavidade se recusava a fazer qualquer coisa que não quisesse.

Na posição "Savasana"




Na posição "Adho Mukha Savanasana"


Preferindo observar a fazer o "Utkatasana"




Descobrindo sua própria postura


Na posição do Sapo


E essa é uma imagem doce entre outras que guardo de tantas coisas que vivenciei nesse final de semana num retiro cujo tema foi “Como encontrar o equilíbrio e viver em paz num mundo repleto de adversidade.”  Vivemos hoje em dia sempre com a sensação de falta, de que se precisa reorganizar alguma coisa. Mesmo tendo tido tantas conquistas de seguranças, de prazeres momentâneos, há algo errado, algo inadequado e, com isso, vem também o desejo de mudanças, de ser diferente, de algo que me transforme e me faça sentir completa, pois mesmo tendo tudo, nada nos completa.
 
Nessa insatisfação, vamos tentando organizar o mundo a nossa volta para estar bem. Julgamos as pessoas e a nós mesmos. Tentamos mudar as pessoas para estar bem. Com isso, além de gastarmos uma energia grande (porque é impossível organizar o mundo), surge a frustração dos acontecimentos e do fato de as pessoas não serem como gostaríamos que elas fossem. Sem contar que ocupamos um grande espaço em nossa mente que deveríamos usar para outras finalidades. E entendemos que não adianta mudar nada no externo, pois a causa da insatisfação está em nós mesmos. E somente as mudanças internas podem nos  ajudar. 
 
É a compreensão disso que nos proporciona um amadurecimento emocional, ou seja, é ter a capacidade de reconhecer que o problema está fundamentalmente em nós mesmos, que a raiz da insatisfação está dentro de nós mesmos. Assim, qualquer estímulo que a outra pessoa, ou o mundo aciona, mexe na nossa insatisfação. Ou entendemos que a condição que temos é momentânea, ou vamos nos sentir vítimas.
 
Assim temos que criar situações internas para devolver ao mundo ações externas mais produtivas para nós mesmos. O mundo não vai mudar só para que cada um se sinta mais confortável. O esforço é no sentido de reconhecer que o trabalho não é externo. É interno. E esse trabalho é reconhecer que somos seres completos, plenos, independente de qualquer situação. Esse trabalho não é fazer coisas para sermos felizes, mas fazer coisas para ver, para nos vermos, nos reconhecermos e reconhecermos que, na nossa essência, já somos felizes.
 

E foi fácil ver isso na pequena Mariana que corria com leveza e se encantava com os macaquinhos, com o riozinho, com as flores de cores diferentes, nos mostrando que ela fazia parte de tudo aquilo numa integração com a natureza tão harmoniosa que me inspirou e me fez pensar que eu também posso ser um pouco dessa Mariana.