Dentro de mim existe um lugar onde vivo inteiramente só
e é lá que se renovam as nascentes que nunca secam.
P.Buch

31 de outubro de 2011

Cachorro

Na minha história de "paz" com os cachorros (já escrevi aqui sobre o meu progresso com o medo de cachorros - 12/12/2011 - Hábito), coloco aqui essa história sensível e real de Reinaldo Azevedo chamada "Um Vira-lata". Gostaria de saber escrever como ele.

"Um dia ele apareceu na vilinha, não se sabe de onde. Já chegou adulto, meio labrador, meio lata, com o rabo cortado. Alguns o chamaram, então, “Cotó”. Outros o tinham por “Martim”, jamais consegui saber em razão de que marca. Estava por ali, entre as casas, havia bem uns 12 anos. Os “cachorristas”, dadas algumas características, lhe atribuíam entre 15 e 18 de vida. Contrariava a máxima de que cachorro de muitos donos morre de fome. Ele não! Estava sempre bonito, garboso, saudável.
Livre, sua simpatia era objeto de disputa. Cotó era personagem das nossas férias, dos nossos fins de semana, de muitos dos nossos momentos de alegria. No sábado, saiu para não voltar. Não dava mais pra ele. Os rins tinham parado de funcionar. Já não conseguia mais se alimentar. Só lhe restava a dor. Dor silenciosa, respiração ofegante, cansaço extremo. Foi levado ao veterinário. Um primeiro remédio o fez dormir, e outro pôs o ponto final.
Os dias podiam ser instáveis; o céu, temperamental; o sol, incerto; a temperatura, variável. Mas Cotó restituía todas as nossas esperanças de dias melhores. Era o portador da memória daquele lugar. Mais do que qualquer um de nós, sabia que um vento podia enegrecer o céu ou, então, abri-lo num azul largo e ancestral.
É provável que voltasse sempre em busca de comida — não aceitava nada que não fosse carne ou derivado, o luxento! —, e a gente confundisse aquilo com afeto. Mas quem se importa? Quem é tão vaidoso a ponto de inquirir os reais sentimentos de um cachorro?
Às vezes ele interrompia a minha leitura ou outra coisa qualquer que estivesse fazendo. Postava-se à minha frente. Encarávamo-nos, então, com camaradagem. “E aí, meu? O que é que manda?” Ele se aboletava por ali, descansava o focinho entre as patas, fechava os olhos devagar e parecia me dizer: “Isso vai se repetir para sempre. A vida pode ser assim, mansa…” E, por alguns segundos, minutos talvez, eu conseguia não pensar em nada, não querer nada, não me importar com nada. Dois camaradas satisfeitos, silenciosos, ocos de anseios, como a paisagem, como a seqüência dos dias, como o marulho mais ao fundo.
Cotó tinha a generosidade das coisas certas. Enquanto estava por ali, era como se nunca tivéssemos sido mais jovens, nunca tivéssemos sido mais saudáveis, nunca tivéssemos sido mais ágeis, nunca tivéssemos sido mais otimistas, nunca tivéssemos sido mais viçosos. Naquela pequena vila, ele nos dava a ilusão da eternidade e alimentava as nossas esperanças.
Morreu Cotó, e o tempo nos invadiu. Terei de aprender a amar outra narrativa na mesma paisagem, da qual ele não é personagem. Eu devo ter imaginado — acho que sim, não estou bem certo — que me viriam os netos e que ele continuaria por ali a atestar que nem tudo nos foge pelos vãos dos dedos, aos poucos, sem nem mesmo um suspiro audível.
Isso não é política, como vêem. É que Cotó tomou seu rumo. Lá se foi ele, sem consultar ninguém, como sempre, dono do seu nariz."

18 de outubro de 2011

M a r

A vida no nosso planeta
 se apresenta de tantas

formas, 
cores,
movimentos 
interações...


15 de outubro de 2011

Quebra-cabeça

         Catedral de Porto em Portugal
Essa semana, coincidentemente, reencontrei muitas pessoas que fizeram parte de várias fases da minha vida. A vida é mesmo um quebra-cabeça. Quando a gente vê apenas um pedaço desse quebra-cabeça, não entendemos nada, parece uma coisa sem sentido, mas quando um pedaço vai se juntando com outro, parece fazer todo sentido e aí a gente vai entendendo porque vivemos tais situações. Aí não existem mais problemas, existem apenas eventos que só viram problemas por causa de nossas crenças limitantes. No final tudo é bom, porque tudo contribui para nosso crescimento interno. A dor é parte natural da jornada humana. Todas as emoções são partes importantes do caminho. Depois esse complexo quebra-cabeça se junta a outros quebra- cabeças e vamos formando um grande desenho cósmico.

No livro Caminho da Prática a autora diz que nenhum de nós existe como ser independente, que estamos todos ligados ao universo por meio de nossa ancestralidade e nossa linhagem ancestral não se limita apenas àqueles com quem partilhamos a mesma herança genética, mas também os professores, mentores e amigos mais velhos que inspiraram e moldaram nossas vidas também estão incluídos.” De fato, somos o que somos hoje por causa de tudo que veio antes de nós. E por isso precisamos estar em paz com o passado.

Às vezes carregamos dores e conflitos provenientes da família imediata. "No seu passado existem ainda muitas lacunas... contas não saldadas, débitos interiores jamais pagos, senso de culpa, vitimismo e, sobretudo, cantos escuros em que predominam ferrugem e pó. Existe um lugar onde pensamentos, sensações, emoções, ações e eventos são registrados para sempre e, mesmo depois de anos, podemos reencontrá-los como objetos sem uso, guardados no sótão, aparentemente inativos. Perdoar-se por dentro não é um exame de consciência de um santo obtuso, mas o verdadeiro fazer de um homem de ação, o resultado de um longo processo de auto-observação. Significa lavar e curar as feridas ainda abertas. Perdoar-se dentro tem o poder de transformar o passado com toda a sua carga. O passado de uma pessoa comum que ainda não deu nem os primeiros passos em direção à unidade do ser é cheio de anzóis que o agarram à mínima tentativa de ali entrar e fazer mudanças...". (A escola dos deuses - Stefano Elio D'Anna).

Enquanto não enfrentarmos estas lembranças, não poderemos embarcar em nosso verdadeiro caminho. Tomarmos contato com essas dores, entendê-las e liberá-las de seu corpo emocional nos trará paz.

Há alguns anos quis viajar para Portugal, mais especificamente para a cidade do Porto, de onde meus bisavós saíram para o Brasil. Existe uma história comum que se repete desde 1700 (até onde consegui chegar) em minha família que está ligada com alcoolismo e abandono e que perpetua até nas gerações atuais, gerando muita dor. “...até entendermos e aceitarmos o passado e as formas como ele continua a nos dominar, permaneceremos espiritualmente sem paz e sem contato com o caminho da consciência.” (Do livro O Caminho da Prática).

Na cidade do Porto, embora não tenha vínculo com nenhuma religião, entrei na catedral e fiz um trabalho de perdão. Comecei perdoando e pedindo perdão por todas as histórias de abandono até os dias de hoje em minha família. Isso me fez sentir livre. Livre das histórias que carregamos por gerações fixadas em nossas células... 

Também a dor emocional pode ser genética. “Cada célula, cada átomo e lembrança de nosso ser foi divinamente comandado para se corrigir e se organizar cada vez que sair de sincronia com os ritmos cósmicos, ou seja, seu psiquismo vai trabalhar com você para restabelecer o equilíbrio espiritual." (Do livro O Caminho da Prática).

E então nesta semana, ao encontrar com tantas pessoas que fizeram parte de meu passado, senti uma oportunidade de aparar arestas, desvincular-me de bloqueios sem sentidos, pedir perdão e de me desfazer de histórias e situações que eu não precisava mais. Libertar-se de nossas próprias amarras emocionais é nos apropriamos de nossa própria vida.

14 de outubro de 2011

Desafios

Coisas da vida, coisas do amor,
coisas da caridade, coisas do entendimento.
Muito bonito esse depoimento de alguém
que passa por um evento desafiador.
A vida é aquilo que queremos ver.

7 de outubro de 2011

Seguir o coração

Muitas foram as falas de Steve Jobs que sairam na internet essa semana. Coloco aqui a que mais gostei.
"Lembrar que estarei morto em breve é a ferramenta mais importante que já encontrei para me ajudar a tomar grandes decisões. Porque quase tudo - expectativas externas, orgulho, medo de passar vergonha ou falhar - caem diante da morte, deixando apenas o que é apenas importante. Não há razão para não seguir o seu coração. Lembrar que você vai morrer é a melhor maneira que eu conheço para evitar a armadilha de pensar que você tem algo a perder. Você já está nu. Não há razão para não seguir seu coração." - Steve Jobs.

2 de outubro de 2011

Metáfora

Uma das casas de Nazaré
Em 1989, quando fui morar em Nazaré – comunidade que hoje se transformou em “Uniluz” – e lá morei por 3 intensos anos, comecei a trabalhar na limpeza dos quartos e banheiros.

Depois de 15 anos trabalhando em firmas multinacionais eu precisava de um momento sabático para descobrir que rumo eu queria que minha vida tomasse. Sabia com certeza que viver sem ver o sol, longe da natureza, sem tempo livre para desenvolver outras das minhas potencialidades me fazia sentir perdida de mim mesma, sem conexão interna e sem sentido social. Também sabia que nada na vida é permanente e que as coisas mudam o tempo todo e eu queria mudar seguindo o fluxo das mudanças. “Existe um tipo de ruptura a partir do qual emerge aquilo que é inteiro.”

E lá fui eu no ensolarado mês de janeiro para a comunidade que me acolhera com muito carinho. Instalei-me num quarto minúsculo com um pequeno armário onde eu guardaria tudo o que eu tinha. Abri a janela vi as árvores de eucalipto, cujo frescor adentrava em meu novo quarto e pássaros coloridos e de pios sonoros me davam boa vinda. E assim comecei essa experiência que me arejou o físico, mente e o espírito.

Não por acaso fui focalizar então o trabalho da limpeza dos quartos e banheiros dos hóspedes, depois na recepção e junto com isso focalizava também o Jogo da Transformação. Mas foi na limpeza, por um ano e meio, onde pude trabalhar tantas facetas de mim mesma.

As metáforas desse trabalho me levaram a descobrir as minhas próprias metáforas. Num primeiro momento, meu ego dizia que eu poderia fazer outras coisas, pois tinha trabalhado em multinacionais e adquirido muita experiência. Depois, fui me acalmando internamente ao descobrir que não importava muito o que eu fazia, mas como fazia, que intenção eu colocava no trabalho, para quê eu estava fazendo e que expectativas eu tinha com o resultado.

Com o tempo tudo foi se organizando em minha mente à medida em que organizava os quartos, o jardim, os pequenos vasinhos de flores que usávamos conscientemente, sabendo exatamente qual flor poderia ser tirada do jardim e qual seria sua função. Fui descobrindo que o foco não é no resultado, mas no desenvolvimento da atividade e, quanto mais refinássemos nossas ações, mais o resultado seria gratificante e surpreendente, principalmente quando os hóspedes davam seus depoimentos de quanto uma determinada ação nossa teria tido um efeito tão positivo neles e, claro, essa gratidão deles nos atingia na alma.

O ato de limpar e organizar, abre espaços externos e internos em nós, removemos energia estagnada. “Guardar objetos e papéis, e depois esquecer o que foi guardado, é uma metáfora de nossas memórias ancestrais. Quando nossos armários estão repletos, já não sabemos mais o que há lá dentro.”

Gostava de limpar os azulejos que iam descortinando outras cores e me dava a possibilidade de estar presente no presente, concentrada na atividade. Era como colocar luz na matéria. Até hoje tenho um encanto especial ao dar banho em banheiros. “Por intermédio da espécie humana, o universo se torna mais consciente de si mesmo”.

Todas as citações entre aspas desse texto são de Maya Tiwari, cujo livro “Caminho da Prática” estou lendo – ainda escreverei muito sobre o que estou lendo nesse livro – diz: “Termine todas as ações que começar. Os ritmos da natureza pedem que cada ocorrência chegue ao seu final. Ao terminar cada ato iniciado, você pede ao universo que lhe dê tempo para restaurar suas energias naturais. A cada ação terminada segue-se um sentimento de exuberância – a alegria que surge depois de plantar os campos naquele ano, terminar um quadro ou lavar os pratos depois de uma refeição deliciosa e saudável. O coração se torna leve e bem resolvido e a respiração flui suavemente por ele. O espírito da graça, trazendo gratidão pelas dádivas recebidas, é fortificado.”

Bom, naquele trabalho simples e intenso que eu desempenhava lá na comunidade descobri que podemos ser catalizadores de uma consciência mais elevada por meio de simples afazeres e contatos com a natureza. Sempre que agora me sobrecarrego de afazeres, tento perceber se estou fluindo nesse ritmo ou se estou me afastando de quem eu sou, e me dou descansos e momentos de lazer que me energizam e regularizam o ritmo interno.
Sala de Estudos