Dentro de mim existe um lugar onde vivo inteiramente só
e é lá que se renovam as nascentes que nunca secam.
P.Buch

28 de junho de 2015

REFÚGIOS

Em nossa rotina, vamos nos deparando com tantos momentos de esperança, tristezas, alegrias e impotência com relação a nós mesmos, à nossa casa, à nossa cidade, ao nosso país, à humanidade. Ainda outro dia ouvia a  palestra na CPFL de Viviani Mosé, que falava sobre a gestão-de-si. E a pergunta que ficou foi: como podemos ter uma boa gestão de uma escola, de uma empresa, de um prédio, de uma família, de um país, se não temos uma boa gestão de nós mesmos?

Eu não sei como eu funciono nem física, emocional ou mentalmente e, portanto, a única coisa que consigo fazer é reagir através de minhas crenças e meus padrões criados desde quando criança. Nem a família, nem a escola nos têm ajudado e aí queremos ser gestores de pessoas. Pegamos formatos velhos e ultrapassados, não questionamos nada, porque também sobre mim eu não questiono e aplicamos esse formato a realidades tão diversas. Claro, não funciona. Não ousamos criar novos formatos nem fora de nós, nem dentro de nós mesmos. Continuamos pensando quadrado, apegados ao que já está aqui, dançando entre velhos paradigmas tanto na política quanto nas filosofias religiosas ou questões psicológicas ou da educação, mesmo que não funcionem mais.  Ficamos lá fazendo de conta que nos gerenciamos, que gerenciamos o nosso redor, sem ousar uma mudança interna, um olhar para dentro de nós mesmos, sem ver o mundo mais amplo e com mais generosidade.

Sem esse “conhecer-se”, sem esse saber de como funciono não há refúgios, só há confusão mental. Os refúgios são pontes que ligam o que vivo com aquilo que eu sou. É aquele momento em que você se sente completo, pleno e, por isso, surge aquele relaxamento interno. Às vezes experimentamos esse refúgio na natureza. Eu não me canso de olhar todas as árvores que me esperam todos os dias onde passo de carro indo para o trabalho, passando por Barão Geraldo ou andando nas ruas de Campinas. E também me lembro das árvores dos parques de Londres, de Findhorn, de Totnes. E também as árvores do bairro onde nasci e que todas as manhãs de sábado as reencontro enquanto caminho lentamente com minha mãe que não se cansa de admirá-las. E, de alguma maneira, me lembro das árvores das montanhas dos Himalaias, onde nunca fui. Elas estão sempre lá. E, conforme as estações passam, elas se vestem diferentes para celebrar as mudanças, a inconstância constante dentro do tempo e espaço. É o solo que segura as raízes por todo tempo que ela viver e, por isso, ela permanece forte e espalha os galhos para o céu, recebendo energia do sol, fazendo fotossíntese.

Como diz Satish Kumar, a generosidade do solo é infinita, pois ajuda uma simples semente a se multiplicar em milhares de outras sementes por centenas de anos, produzindo cor, aroma, sabor, alimentando pássaros, abelhas, outros animais e humanos. As árvores celebram a generosidade do solo, oferecendo seus frutos para quem precisar, sem condição, sem julgamento. A árvore dá madeira para a cadeira, dá o galho para o pássaro fazer seu ninho e o oxigênio para manter a vida. A generosidade do sol que queima para manter a vida e faz a Terra se mover e a colheita amadurecer para alimentar todos os seres; da lua que mantém o ciclo do tempo e sustenta a presença das mares, da chuva que emerge dos oceanos vindo das nuvens, se entregando a cada fazenda, campo, floresta, montanhas e humanos sem cobrar nada. A generosidade do ar, do espaço, da alma, da sociedade etc. O mundo é como o vemos e o que fazemos disso. Reconhecer esse refúgio, essa  generosidade do universo não é negar o lado sombrio, mas projetar nele o que queremos.

Tantos refúgios podemos vivenciar dentro de nós mesmos! A arte na expressão da música, das pinturas, da palavra, das ideias, da ação útil, da coerência com que pensamos, sentimos e agimos, com os valores universais atemporais. Também são refúgios os livros que nos preenchem, as ideias que nos conectam a nós mesmos, a quietude que nos faz saber o que estou fazendo aqui, o desejo de contribuir com o outro e com o mundo.

Todos esses refúgios são nossa base que precisamos identificar em nós e são construídos a partir dessa gestão de cada um de si mesmo, desse autoconhecimento que se desdobra todos os dias á medida que perguntamos: “A vida é isso? Ou tem algo mais que isso? E, se tem, eu quero descobrir o que é.