A
classe número 4 foi onde fiz o primeiro ano e eu amava a professora, Dona
Helenice, que me ensinou a ler e escrever na Cartilha Caminho Suave. Gratidão
profunda a ela.
Eu
tinha um caderno não espiral, encapado com plástico xadrezinho de amarelo, um
lápis preto, uma borracha, uma régua de 20 cm e um apontador, tudo guardado
organizadamente no estojo de madeira. Tudo isso ia na minha bolsa, da qual
sempre me lembro ao sentir o cheiro de couro. A lancheira também era de couro e
nela ia sempre banana e pão que, às vezes, eu dava para as meninas mais pobres
que não tinham nem mesmo calçados.
Meu
uniforme, a bolsa, a lancheira, tudo isso durou 4 anos. Minha mãe só ia
descendo a barra da saia à medida que eu crescia. No recreio brincávamos de
roda. Eu sofria quando demorava ser escolhida para ir pro centro da roda e,
depois, sofria quando estava lá dentro, coisas de criança tímida.
Todos
os dias, ao chegar da escola eu fazia meu “para casa” sem mesmo tirar o
uniforme, porque queria ficar livre das “obrigações” para poder brincar. Me
lembro de brincar de ser professora e imitava tudo que elas diziam. Depois de
almoçar, corria para a casa da Maria Preta, de quem já falei neste blog, e lá
ia ouvir suas histórias que tanto me fascinavam, e contava a ela meu dia na
escola. Mostrava meu caderninho e ela sem saber ler uma letra sequer, admirava
e me elogiava.
Depois
eu voltava para casa e brincava no quintal com sabugos de milhos, latinhas,
terra, louzinha que tinha ganhado de minha irmã Nadir com um punhado de giz
coloridos. Brinquedos não tinha e por isso criava os meus próprios. Adorava
escrever em meus cadernos e pintar os carimbos que as professoras colocavam no
cantinho de cada folha. Lápis de cor também não tinha. Era emprestado de
algumas outras alunas. Mas a escola era o meu mundo novo que se abria. E eu
amava. Nas férias, ficava contando os dias para o retorno.
E
assim corriam os dias longos, com árvores, parreiras, um pé de mexerica que
ouvia todas as minhas conversas com meus amigos imaginários e que via o meu
olhar pro alto fazendo histórias das nuvens que teimavam em desenhar no céu.
Hoje
me pus a pensar sobre isso. Talvez por notar que algumas crianças não brincam
mais, não têm brinquedos de criança. Têm como objeto de desejo os Ipads,
celulares de últimas gerações. Também não conheço nenhuma criança hoje que
goste da escola. Incrível. Os pais têm medo que eles se sintam diferentes dos
outros. Mas até que ser diferente pode ser bom.
Se
faltou algo na minha infância, ou não, não importa. Importa que eu sou o que sou
hoje, catando todos esses ingredientes, misturando e fazendo uma grande
metáfora para que meus olhos continuem vendo a vida com a mesma beleza do
quintal verde de minha casa com céu azul. Como diz Paulinho da Viola, “não vivo
de passado, mas o passado vive em mim.
Talvez
isso também acontecerá com essas crianças que não têm acesso a quintais,
sabugos de milhos e amor a professoras.