Dentro de mim existe um lugar onde vivo inteiramente só
e é lá que se renovam as nascentes que nunca secam.
P.Buch

9 de março de 2014

TOLERÃNCIA

Sábado de manhã fico com minha mãe. Momentos únicos e intensos.

Caminhamos em volta do quarteirão e vamos vendo as árvores e minha mãe se surpreendendo de quantos tipos diferentes de árvores existem e de como isso é um verdadeiro milagre.

Às vezes paramos para cheirar algumas flores, outras para ver o gatinho, e as pessoas vão passando por nós e dizendo: “Bom dia Dona Irene, tudo bem?” E ela: “Até que pelos meus quase 92 anos estou bem...”  

Passamos por uma casa de repouso e ela fala com as senhoras que moram lá. Depois passamos pela Escola Vicente Rao, e ela vai dizendo o nome de todas suas amigas que moravam nas casas: “Aqui morava o seu Dito, aqui era a Dona Santa, aqui a Bastiana, e aqui ainda mora o Oscar”. No fim da rua tem um pé de coquinho e ela pega alguns e vai comendo até em casa...“aqui mora a Dona Lídia”...

Aí ela se admira como o prédio que estão construindo está alto. E quando chegamos em casa ela está bem cansada. Aí cozinhamos juntas, quase em silêncio como se fosse uma meditação a dois e eu vou ouvindo o som da faca que vai cortando o repolho tão fininho como só ela sabe cortar. Vou observando o seu jeito e me encanto com tanta delicadeza no trato com os alimentos que, na verdade ela sempre teve, mas agora fica muito bonita essa delicadeza num corpo já tão mais velho.

Almoçamos juntas com a mesa posta. Ela saboreia uma laranja e aí arrumamos a cozinha e tudo fica em paz na cozinha. Depois deitamos nos sofás da sala para dar uma descansadinha e lá conversamos qualquer coisa. Já não me importa mais se ela repete as mesmas perguntas algumas vezes, importa mais essa energia de nós duas juntas. Eu respondo às perguntas como se fosse a primeira vez, sem problemas. Ela vai falando sobre os filhos, os netos, sobre meu pai nos deixou há 2 anos e “quando pessoas que amamos morrem, universos inteiros morrem com elas” (Lou Marinoff), sobre sua sobrinha Luzia, sobre suas irmãs, sobre a morte, sobre a vida, a sua vida.

Sábado passado, estávamos olhando pra fora de casa, encostadas no peitoril da janela do quarto e ela lembrando que aquela avenida era apenas uma ruazinha com mato quando ela mudou para lá, que havia poucas casas e que o ponto do ônibus era perto do curtume etc. etc.  E admirada dizia – “Tudo acaba, tudo acaba e por isso que a gente não deve ficar com problemas com as pessoas, nem brigar, nem ficar ressentida com ninguém, porque disseram isso ou aquilo. Tudo isso é uma grande bobagem. Tudo isso acaba”.

Eu estava gostando de ouvir aquelas palavras porque havia alí uma sabedoria de alguém que já viveu bastante e eu estou começando a entender essa verdade. E eu disse: “Que bom mãe, que a senhora descobriu isso. Isso dá uma paz no coração da gente não dá?” Ela acenou com a cabeça que sim e disse: “O que dá paz mesmo é saber que eu ajudei bastante gente e que eu tinha sempre a intensão de fazer a coisa certa”.

Aí ficamos uns segundinhos em silêncio para assimilarmos aquela deliciosa chuva que estava acontecendo lá fora. E eu arrisquei: “Mãe, qual foi o grande aprendizado que a senhora teve nesses anos todos?”  E ela disse sem pestanejar: “Tolerância.  Aprendi a ser tolerante com tudo e com todos.”  Aí ela resolveu ir lavar umas pecinhas de roupa e eu continuei alí no meu silêncio absorvendo essa conversa tão significativa pra mim. Fiquei pensando nessa palavra e como era isso comigo.

Tolerância... fui ao dicionário: “Tendência a admitir, nos outros, maneiras de pensar, de agir e de sentir diferentes.”

Nossa, como isso às vezes se torna um desafio! Às vezes nosso ego nos pega pelos pés e nos faz reagir a tudo e a todos que não pensam como nós! Reagimos através de nossa dor, de nossa ignorância, de nossos padrões. Temos o velho hábito de nos acharmos sempre corretos e, pior, queremos que os outros façam e ajam como queremos. Queremos que o outro mude para validarmos o que pensamos sobre as coisas e a vida.

Tolerância é uma virtude e, segundo Aristóteles e Confúcio, a virtude é uma questão de hábito, não pode ser aprendida apenas se falando sobre ela – tem que ser praticada. 

E volta minha mãe, lá do tanque e diz: “Agora vou dar mais uma deitadinha porque meu corpo cansa depressa”. Sim, mãe... vamos lá.

                                   A lei de ouro do comportamento é a tolerância mútua,
já que nunca pensaremos todos da mesma maneira,
já que nunca veremos senão uma parte da verdade e sob ângulos diversos.
(Mahatma Gandhi)

10 comentários:

  1. Zeze' adorei a sua rotina de sábado junto de sua mãe. Quanta. Sabedoria. Ela já vivenciou de tudo na vida. Assim o seu conhecimento suas lembranças são preciosidades. Curta o mais que vc puder desses momentos. É uma dadiva ter uma mãe com essa idade e lucida e melhor ainda passando conhecimento. Que Deus a proteja.
    Com carinho
    Rudi

    ResponderExcluir
  2. Zezé, seus artigos sempre nos enriquecendo de grandes reflexões...me identifiquei muito com essa leitura sobre sua mãe de quase 92 anos, pois também fico com meu pai de 89 anos, que é um grande exemplo de força e determinação, pois após ser entubado em sua cirurgia de um cancer no intestino, está fazendo suas quimios semanalmente, e me conta as suas conversas com toda equipe da clínica, seus colegas, e segue em frente com FÉ e acreditando sempre na luta. Creio ser um privilégio para nós, podermos estar juntas deles nessa fase da vida...AGRADEÇO muito a DEUS por isso.

    Beijos de muita luz para vocês duas....Cris.

    PARABÉNS PELO BLOG !!!

    ResponderExcluir
  3. Lindo Zezé. Uma dádiva conviver com a simplicidade e sabedoria de sua mãe. Bjs

    ResponderExcluir
  4. Nossa, Zezé, que lindo!!! Fiquei emocionada enquanto lia ao "viver" isso com vocês, me imaginando e ouvindo tantos conselhos sábios. Aprendi um pouquinho mais sobre a palavra Tolerância e refleti em colocar mais ainda esse ingrediente tão importante no meu dia-a-dia. Parabéns por mais um lindo texto e obrigado por compartilhar para tantas reflexões. Beijinhos

    ResponderExcluir
  5. Que poema Zezé, emocionante. Essa entendeu o sentido da vida. Pessoa de luz, que teve a sabedoria de aprender e muito. Parabéns.
    Cidinha

    ResponderExcluir
  6. Zezé,



    Adorei as mensagens. Ainda não tinha lido as duas últimas.

    Compreendo cada palavra e sei que você sabe das minhas razões.



    Beijos,

    Lígia

    ResponderExcluir
  7. Nunca havia parado para pensar no significado desta palavra "tolerância", tão pouca usada por mim...... mas com essa pequena história e aprendizado de vida, percebo como praticá-la se faz importante! Mais uma vez, muito obrigada Zezé!!!

    ResponderExcluir
  8. Sobre o artigo "Tolerância"

    Vivencio situação muito parecida com essa com meu pai de 89 e minha mãe de 80. Acredite ! São momentos de muita curtição e de intenso prazer para mim. Falar sobre vida, filosofar, cantar (meu pai gosta de cantar comigo)ou simplesmente estar ao lado deles em silêncio só apreciando a presença.
    Respiro profundamente e agradeço.
    Ótima semana Zezé.
    Eliza
    Harih Om

    ResponderExcluir
  9. Me emocionei, pra variar né?
    Bjs.

    ResponderExcluir