Dentro de mim existe um lugar onde vivo inteiramente só
e é lá que se renovam as nascentes que nunca secam.
P.Buch

30 de novembro de 2014

AULAS



Quando criança, por não ter outras crianças por perto, brincava com crianças imaginárias. Eu era a professora e elas as alunas. Repetia tudo que a minha professora da escola havia me ensinado. Foi só depois de trabalhar na 3M por 12 anos, ter uma experiência por 3 anos na comunidade de Nazaré e viver em Londres por 1 ano que comecei  minha caminhada, justamente como professora de inglês, o que faço há 19 anos.

No início, as aulas nas empresas e na Unicamp eram divididas com mais duas professoras. Revezávamos a cada duas semanas, o que para os alunos era interessante, pois tinham um professor diferente a cada duas aulas. Foi uma experiência linda, já que não havia muitos professores dando aulas nas empresas. Trago boas recordações daqueles momentos.

Depois a vida nos separou e eu comecei a minha caminhada solo. Minha grande inspiração foram meus professores Liz e John Soars, autores do método Headway. Suas aulas em Londres eram dinâmicas, leves e cheia de entusiasmo contagiante. Eles viam os alunos como pessoas com potencial e, mesmo fora das aulas, faziam parte de nossas vidas e se interessavam por quem éramos.

Comecei a pensar nessas coisas porque reencontrei uma das professoras, Helena, com quem trabalhei e foi um lembrar intenso de todos esses anos de aulas. Nos lembramos de como tudo começou e de como nosso entusiasmo nos guiou. Tínhamos um sonho, mas não sabíamos que esse sonho nos levaria ao nosso próprio autoconhecimento. E o grande foco para isso foram os alunos todos que passaram por nós.  Posso dizer que  foram pessoas marcantes em minha vida, na decisão do que eu queria fazer e como eu faria.

Foram cerca de 23.500 aulas nesses anos todos e aprendi tanto com os alunos que, confesso, me transformei numa outra pessoa. Sentir-se realizada no trabalho significa que o que fazemos tem um sentido maior do que simplesmente ganhar dinheiro. É sentir que há um propósito e um significado. E hoje eu não conseguiria fazer nada mais sem isso. Como assim trabalhar só por causa do dinheiro? Pagar contas no final do mês e trabalhar novamente para pagar outras contas de necessidades criadas por uma sociedade sem consciência? Não, não conseguiria trabalhar sem sentir que estou contribuindo para a vida num sentindo mais profundo. Bom, mas isso é papo para um outro post.

Como num filme, lembro de olhos de alunos espantados ao perceber que assimilaram algo que não tinham conseguido assimilar, alunos orgulhosos por conseguirem dar os primeiros passos nesses caminhos de palavras até então desconhecidas que se juntam umas às outras numa gramática diferente, dançando num som nunca ouvido e revelando uma outra cultura. Alunos cuja autoestima melhorou porque se sentiram capazes de ir além de onde estavam. Alunos que conseguiram olhar para dentro e perceber onde é que estava o bloqueio que o impedia de ver outra língua. Alunos que choraram de alegria por descobrirem que eram capazes de dar um salto na língua inglesa e, consequentemente, em suas vidas.

Tive várias oportunidades de ouvir suas histórias tão interessantes de vida. Alunos que entraram e saíram de doutorados, que entraram e saíram das empresas, que se mudaram para fora do país, alunos com dúvidas, com preguiça, com vontade. Alunos que, depois de superaram uma crise existencial, se sentiram em paz. Foram muitas as histórias...  Como eu não sabia muitas vezes o que dizer, eu fazia perguntas e eles respondiam e se descobriam capazes. Capazes de ir mais além.

Aprendi que quanto mais eu escutava, mais eu aprendia a ser professora e que o conteúdo de uma aula só pode ser passado se ele estiver ligada à própria vida. Aprendi que não existe o professor, o aluno, o conteúdo e a vida separados entre si. Tudo é junto e só assim faz algum sentido. Aprendi que só se ensina o que se vive, e que a palavra tem que viajar de uma boca a um coração, pois o que se atinge é o coração da palavra.

Aprendi que o professor só ensina quando o aluno cede e se solta, se não o aprendizado não flui. O conhecimento não vem de uma pessoa, mas dessa fluidez onde professor e aluno aprendem e ensinam ao mesmo tempo.

Quando eu era criança as pessoas me perguntavam: "O que você quer ser quando crescer?" e eu dizia: “Quero ser aluna”.  E o sonho se concretizou. À medida que trabalho como professora me torno mais aluna. Aluna da vida. 

Cora Carolina diz: “Não sei se a vida é curta ou longa para nós, mas sei que nada do que vivemos tem sentido, se não tocarmos o coração das pessoas. Muitas vezes basta ser: colo que acolhe, braço que envolve, palavra que conforta, silêncio que respeita, alegria que contagia, lágrima que corre, olhar que acaricia, desejo que sacia, amor que promove.
E isso não é coisa de outro mundo, é o que dá sentido à vida. É o que faz com que ela não seja nem curta, nem longa demais, mas que seja intensa, verdadeira, pura enquanto durar. Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina.”

10 comentários:

  1. Que lindo texto Zezé!!! Concordo em tamanho, número e grau... essa experiência que tivemos foi realmente marcante... um divisor de águas nas nossas vidas... e o inglês, como meio e não como fim, continua a nos acompanhar e a fazer de nós pessoas melhores a medida que nos entregamos na troca... quero muito que nosso encontro se realize em breve! Beijo grande! Helena

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  2. Adorei te encontrar hoje Teacher!! ;D
    Fabiana

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    1. Eu também Fabiana. Gostei de te ver tão bem...Zezé

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    2. Obrigada! Você também, sempre serena, tranquila e com um sorriso contagiante! Fabiana

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  3. Obrigada Zeze'. Devo dizer que ao ler sua nova postagem, aprendi um pouco mais sobre a arte de ensinar e aprender. Boa Semana!

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  4. Zezé
    Seu post está super especial, e repleto de mini-mensagens que vou ler e reler, e ler e reler de novo...pq suas palavras são sempre sábias, vc é uma "aluna" maravilhosa, que se transformou numa professora competente, em td que já li e nas idéias que trocamos, vc sempre "atinge o coração da palavra!"
    Beijo procê,
    Semana abençoada,
    Adriana

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  5. ZEZÉ, VOCÊ É MUITO ESPECIAL!
    Beijos.
    Cleusa

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  6. Oi Zezé,
    Parabéns pelo blog!!! Muitas coisas interessantes...
    Bjs.
    Rita Batistella

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