Dentro de mim existe um lugar onde vivo inteiramente só
e é lá que se renovam as nascentes que nunca secam.
P.Buch

30 de julho de 2011

Circo "Irmãos Almeida"

Circo Irmãos Almeida












Este é um banho quente de esperança e ansiedade.  Inconscientemente vejo meu pulmão se expandindo e a bronquite triste e cansada dá lugar a uma refrescante felicidade. Minha mãe traz o vestido de chita barata, ainda tirando a última linha com os dentes orgulhosos. Sacode-o, dando assim o último e definitivo retoque. Eu já enxuta no corpo fraco e magro, quase não caibo no vestido engomado de alegria.

O sol estala um cheiro de domingo! Meu pai, enorme, tira-me de seus bolsos longos da calça com vinco alguns trocados. Lá vou eu atravessar sozinha aquelas duas avenidas movimentadas. Enquanto caminho, meus ouvidos levam até meu coração, agora meio descompassado, a música daquele mundo cheio de brilho cores e irmãos.  Lá está a placa toda pomposa dizendo: “Circo Irmãos Almeida”.

Nem sei se o vermelho de meu rosto vai me impedir de entrar. Tantas pessoas! Tantas crianças a correr por baixo da lona e a pegar o melhor e mais alto lugar nas arquibancadas. E pensar que na noite anterior minha irmã Nadir ganhara o concurso de cantora....

Para refrescar minha emoção, vou ao menino de calças curtas com a cabeça escondida no boné que vende sorvete de palito para conseguir algum trocado para ir ao circo. O menino Maurício que hoje é o Squarisi, continua dando movimento as imagens paradas.

Ah! Mas eu gosto de ir devagarzinho, deixando meus pés cheirar a grama do chão. Ao entrar, meu coração arregala os olhos e engole aquela imensidão redonda, como se pudesse absorver de todo o universo, a beleza.

Maçã-do-Amor? É linda, mas não há magia. É sem graça. Pipoca? Gosto mais quando minha mãe faz dizendo: “Rebenta Pipoca Maria Sororoca”. E tem de ser três vezes.  Amendoim enroladinho? Tem no bar do seu Abílio, perto de minha casa, em frente ao circo no Parque Industrial. Mas aquela “sombrinha” colorida e cheia de balas dentro de cada gomo.... Ah! Esta sim me faz ser gente grande, me estufa o peito e o enche de ar.

Não entendo porque a maioria das crianças prefere a maçã-do-amor. Que amor pode haver numa bola que não cabe em sua boca e suja seu nariz?  A “sombrinha” não. É colorida, criativa, não toma chuva. Dá surpresas. Que prazer poder saborear o que lá dentro se esconde! Um mistério de delícias, sabor de circo.

Quanta gente está entrando! Preferia estar nas cadeiras lá em baixo. Ficam quase todas vazias. A Ritinha senta lá. A mãe dela dá aula no Grupo Escolar Felipe Cantúsio e ela estuda lá. Esses meninos correm muito para pegar o melhor lugar e eu fico pulando sentada na arquibancada como as pipocas de minha mãe. Tenho medo de cair. Menino é fogo! Atrapalha todas as brincadeiras e corre sobre as arquibancadas. Será que vou cair lá em baixo, no meio daquela serragem? Até hoje sinto o cheiro delas.

Os papéis de bala não jogo não. Vou usá-los para embrulhar pedrinhas e deixar a surpresa onde estava, dentro de cada gomo, e lá em casa vou brincar de ser vendedora de surpresas de circo.

O circo está cheio, como minha boca cheia de balas. Tudo em mim se esquece. Só há um acontecer de vidas, histórias e fantasias. Eu sou aquela história.

O Fredô e a Nhá-Tica com suas sardas e marias-chiquinhas chegam irreverentes, pulando alegres e me dizem: “Boa tarde, criançada!” e me faz rir e chorar. É que gritam muito suas alegrias e me dá medo.

De repente eles vão embora, dançando as nossas palmas e tudo vai ficando escuro para meus olhos começarem a ascender luzes coloridas que piscam e chamuscam todo o circo. E alguém diz: “E agora com vocês, aquela que canta e encanta...” Será que ela é mesmo uma mulher, ou um anjo dourado? Seu corpo brilha, voa, dança.   Ela canta para mim. Acho que gosta de mim. Joga-me uma flor. E ao tentar ir ao encontro dela, na confusão de todas as mãos e todos os gritos, não só não consigo o prêmio pessoal como despenco arquibancada abaixo como uma manga madura. O brilho acaba à medida que todas as luzes são acesas e as palmas com cheiro de serragem ecoam nos meus ouvidos.  O show acabou.

Os meninos começam a descer daquela cela de arquibancadas como se fossem patas de cavalos em cima de mim. Ninguém me vê lá embaixo assustada e com medo de me machucar. Como vou sair daqui?  A “sombrinha” quebrou, como vou poder brincar de vendedora de circo?

Pouco a pouco aquela bola azul vai se aquietando e meu medo aumentando. Alguém ouve uma criança chorando e vem me salvar do triste acontecido. Meu espanto vê o Fredô e a Nhá-Tica que quando não são o que são, são vendedores de surpresa.  Não sabia que se podia ser mais que uma só coisa.

Há um sabor de decepção ao vê-los humanos e inteligentes e uma vontade de correr e brincar nos bastidores de minha fantasia.

Surpresa, surpresa...  “Compre uma “sombrinha” cheinha de surpresas”!

Para compensar a decepção reveladora, me dão balas que não são surpresas e me fazem perguntas de gente grande. Me levam para casa. Atravessam-me a rua de volta.

Perdi a surpresa.  E o palhaço que mora dentro de mim, agora chora. Mas ganhei um ingresso. Domingo que vem tem mais.

4 comentários:

  1. Oi,
    Me emocionei com as fotos e me fez lembrar do quanto eu gostava de cantar em circos.
    Lembra que em frente à casa da minha mãe, tinha um terreno e direto tinha circo montado?
    Eu não podia ver um circo que, lá estava eu, no palco e, meus pais, logo atrás....rsrs
    Gratidão pela lembrança.......
    Gosto muito de ler a seu blog, quando posso ........
    Paz profunda,
    Zezé 2

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