Dentro de mim existe um lugar onde vivo inteiramente só
e é lá que se renovam as nascentes que nunca secam.
P.Buch

4 de julho de 2010

MARIA PRETA

Hoje me lembrei da Maria Preta, uma vizinha que eu amava e que se interessava por mim, lá nos meus 5 a 10 anos de idade.
Ela sentava em sua máquina de costura e eu ao lado bebia de suas histórias e das respostas que ela dava para as minhas perguntas de criança curiosa em descobrir esse planeta. Perguntas do tipo, “Por que as nuvens são brancas?" "Por que algumas crianças da minha classe não têm sapatos? "Para onde foi minha avó que morreu?” "O que vou ser quando tiver 13 anos?" E ela respondia a todas as perguntas com a maior seriedade e me fazia viajar naquelas ideias. Ideias de Maria Preta.

Para mim era tão interessante ela ser preta que eu a chamava assim de Maria Preta e ela ria – e toda a vizinhança também adotou carinhosamente esse apelido. Hoje descobri que Maria Preta é o nome de um passarinho.

Eu me lembro de um dia de outono que chovia. E eu olhava da janela – acho que já estava com 6 anos – e perguntava: por que é que chove? Ela me respondeu, do alto de sua máquina de costura: "Eu não sei direito porque chove. Talvez para dar muita alegria pra gente". Eu perguntei: "Mas como é que você sabe que é pra nos dar alegria?" E ela: "Você não está feliz agora olhando a chuva? Então?" E eu estava... Depois ela me contou que tudo que eu comia tinha chuva dentro: as frutas, o arroz, os legumes. Como eu relutasse em aceitar, ela descascou uma mexerica e mostrou os gomos, aquela porção de "garrafinhas de água doce" que tem lá dentro. Não duvidei mais. Tinha certeza que ela sabia do que estava falando.

Quando morei na comunidade de Nazaré, tinha (ainda tenho) uma amiga, a Paula, que adorava tirar fotos. Um dia de muito frio ela bate no meu quarto e diz ter tirado algumas fotos e queria me dar uma em especial. Era uma foto de uma mexerica (abaixo) que me deixou emocionada. Me remeteu aos tempos de Maria Preta. Como ela poderia saber que a mexerica era algo especial para mim? Não sabia. Ela só quis me dar aquela foto da qual ela também tinha gostado tanto.
Pensei em Maria Preta porque acabei de ler um livro chamado “As cinco pessoas que você encontra no céu”, pessoas que nos mostram o verdadeiro valor da vida, que nos lembram que vivemos numa teia de ligações e que temos o poder de mudar a visão de mundo do outro com pequenos gestos.

E ao terminar o livro fiquei com essa sensação de entardecer com Maria Preta, de chuvas dentro de mexericas e de cheiro de bolo de fubá que aqueceram minha curiosidade de criança e ainda estão tão vivas em mim.

4 comentários:

  1. Que beleza, Zezé!
    E viva a Maria Preta. Sinto saudades desse bom povo das antigas: tão simples e tão eloquente.
    Beijão!

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  2. Até hoje quando como mexerica me lembro de você! Agora entendo!!!Muito belo seu texto.
    Bj Paula

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  3. Muito Lindo, Zeze'. Me lembro que voce me contou esta histo'ria uma vez.Ha' uns dias atra's ao oferecer a Clara uma laranja, perguntei se ela se lembrava de como a Vo' Maria Helena usava descascar laranjas. Ela se lembrava. Entao lhe contei que tambe'm o meu avo Paulo descascava as laranjas do mesmo jeito, sem quebrar a casca, sem machucar a polpa e fazendo uma linda espiral. Enquanto fazia a minha pro'pria espiral para a Clara ver, me lembrei tambe'm de como eu me divertia, quando crianca, em ir dobrando partes da casca em espiral, para espirrar no rosto aquele li'quido fininho, ci'trico e cheiroso que eu nao tenho a menor ide'ia de como se chama, mas que deve ser parte da chuva que ficou na casca..

    Te mando uma chuvinha de casca de laranja, Zeze'. Cristina

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  4. Oi Cris
    Meu avó, que morreu com 100 anos, também descascava a laranja assim. E eu me divertia muito também. Saudades de nossos avós, nossas mães, marias-pretas que descobriram a graça de viver de coisas simples.
    Bjs Zezé

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