Dentro de mim existe um lugar onde vivo inteiramente só
e é lá que se renovam as nascentes que nunca secam.
P.Buch

22 de setembro de 2013

Servir

A árvore cai com grande barulho,
mas não se escuta a floresta que cresce
                                  (provérbio zaire)

 
Incrivelmente tenho notado que as pessoas entre 50 e 60 anos, aposentadas ou quase, têm uma outra realidade intensa e silenciosa sendo vivida. É que muitas delas estão cuidando ou de seu pai ou de sua mãe. Algumas dessas mães estão muito bem fisicamente, outras nem tanto, umas com Alzheimer, outras com demência senil, outras simplesmente envelhecendo. Eu mesma tenho minha mãe de 91 anos e que dois anos atrás cuidava da casa toda e de meu pai e ainda fazia broas para um café da tarde para a família reunida. E foi justamente após a morte de meu pai que ela começou a declinar bem mais rapidamente. A memória está falhando, não se lembra mais do que aconteceu ontem e, com olhos de criança, repete a mesma pergunta várias vezes ao dia, talvez tentando recuperar a conexão perdida.
 
Parece uma história como outra qualquer, mas existe algo intenso acontecendo para nós, seus filhos. De repente, você troca de papéis. Você “perde” sua mãe e passa ser a mãe dela. E essa “orfandade” te coloca num lugar vazio que faz você pensar em si mesma e no que está fazendo de sua vida. À medida que ela vai perguntando as mesmas perguntas, você vai se lembrando de sua infância, de suas próprias dificuldades na família e, ao mesmo tempo, vai pensando no futuro que já está no presente. Às vezes, muitas vezes, você não quer estar alí e sente culpa por sentir isso. Às vezes você se cansa de responder às mesmas perguntas e tem que respirar fundo e respondê-las como se fosse a primeira vez.
 
Muitas vezes quando estou com ela, eu me pergunto quase como um mantra: “Por que é que estou aqui mesmo?” e eu mesma respondo: “Para servir, Zezé.”  É servir a mim mesma, para praticar a minha humanidade, para entender o que é a vida, para aprender a dar valor ao que que realmente tem valor, para compreender sobre a vida, sobre o viver e sobre o morrer. Para compreender que não somos só esse corpo físico, que não somos só as nossas emoções, que não somos só os papéis que representamos nessa existência, que não somos só a profissão que exercemos, não somos só os nossos medos e não somos só a nossa mente que pensa e que se lembra das coisas. Na quietude de minha mãe observo dentro de seus olhos que ela é mais que isso, e esses mesmos olhos me dizem que eu também sou mais que isso.
 
Olho para mim e vejo a intensidade desse momento dentro de mim. Estou fechando ciclos e abrindo outros com hormônios desaparecendo e a tentativa de me descobrir diferente, com mais serenidade e mais certeza de que ainda estou no começo da aprendizagem sobre o viver e morrer.  Minha mãe, lá nos seus 91 anos, também vive algo muito intenso dentro dela, tão intenso que ela gosta de ficar em silêncio. E quando pergunto o que ela está pensando naquela quietude, ela diz: “Nada, só estou descansando a mente”.
 
Descansar a mente significa que ela não está no comando. Não é mais a mente que diz o que eu tenho que pensar, que lembrar ou fazer. A mente é um conjunto de pensamentos. Os pensamentos nascem onde? Na consciência. Então também não somos os pensamentos, somos a consciência que a tudo ilumina.
 
Assim, parece que os velhinhos estão ali quietinhos, mas dentro deles um intenso movimento está acontecendo. E também há, em nós, seus filhos, uma intensidade de movimentos. E a melhor opção nesse momento é sair do senso comum e vivenciar essa experiência, aprendendo sobre nós mesmos, sobre quem somos. Afinal, estamos alí para que mesmo? Para servir. De alguma maneira também minha mãe está ali doando sua experiência, tecendo suas histórias para servir a mim trazendo tantos conteúdos para meu aprendizado.
 
Quando conseguimos “descansar a mente” é porque ela não tem mais nada a fazer, porque estamos conosco mesmo, estamos em paz.
 

10 comentários:

  1. .....me fez chorar,...............
    Taline

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  2. Oi Zezé!!!!
    Como vc está? senti sua falta no Yoga é Luz de ontem no Sesc
    Adorei este artigo do blog é bem o que eu vivo...... e vamos aprendendo ........
    bj.
    Rose

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  3. Oi tudo bem? O blog anterior eu acabei não comentando, mas achei muito profundo. O de hoje está muito comovente. A história da sua mãe é linda e é a de muitas senhorinhas que chegam nessa idade. Sorte que vocês são uma família unida e amorosa. Ela deve se orgulhar muito, pois ela é responsável pela educação e carinho que deu para vocês.
    Com carinho
    Rudi.

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  4. obrigada por sempre compartilhar :)
    bjs
    Carol Lima

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  5. Zezé, Obrigado por escrever, de forma tão precisa, as "coisas" mais complexas da vida!

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  6. Simplesmente bárbaro, Zezé.
    Estou vivendo exatamente esse momento com minha mãe, mas não conseguiria traduzir essa sensação como você o fez.
    Compartilhei seu texto no facebook.
    Beijos e obrigada,
    Lígia

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  7. Zezé, que lindo texto!
    Lembrei tanto da minha Vózinha que hoje infelizmente não está mais entre nós. Tudo que você escreveu eu vivi ao lado dela e nos últimos dias de sua vida. Fiquei emocionada em relembrar a doação que tivemos em todos os momentos de nossas vidas.
    Obrigado por compartilhar textos tão assim que vem de dentro do coração. Continue compartilhando conosco! =)
    Beijinhos

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  8. Envelhecer não é uma tarefa das fáceis, mas é algo que temos de aprender.

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  9. Aproveitei para ler este post tambe'm. Que linda reflexao, minha amiga! Gostaria de conversar sobre isto com voce da pro'xima vez que for ao Brasil. Um Grande Abraco e saudades.

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  10. Zeze, lendo seu texto me reconheci como filha e mulher, dancando uma outra musica, a do envelhecer. Vc escreve muito bem, sabe transcrever nossas emocoes. Obrigada!

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