Eu estava em Totnes, uma
cidade no sul da Inglaterra, assistindo a uma palestra quando minha amiga
Mirella me convidou para ir no Schumacher College, onde havia uma sala com uma
tv e algumas pessoas estavam assistindo ao jogo de futebol entre Brasil e
Alemanha. Eu que nem ligo para futebol, aceitei e lá fomos nós, não sem antes
passar pelos maravilhosos jardins da escola.
Quando entramos na sala
ouvi um “goooool” que vinha da televisão. E eu, apressada, disse a Mirella que
seria do Brasil. Mas não era. Era o quinto gol da Alemanha. Fiquei muito
surpresa e comecei a prestar atenção ao jogo. Na sala onde eu estava havia mais
pessoas de outras nacionalidades e a cada gol, diziam: “Oh, no, I’m
sorry!” E eu alí de boca aberta ouvindo
o narrador da televisão dizendo: “It is amazing, Brazilian gave up”
(Inacreditável, os brasileiros desistiram).
Ele falou tantas vezes “os brasileiros desistiram” que aquilo começou a
me incomodar e a doer no peito. Ele não dizia que os “jogadores desistiram”,
eles diziam “os brasileiros desistiram”. Aquilo foi doendo, doendo e percebi,
naquele sétimo gol que eu também havia desistido de meu país.
Para me proteger fui me
fechando com desmandos de políticos e policiais, impunidades, corrupção,
violência de todos os níveis, falta de delicadeza entre pessoas, radicalidades
políticas com discursos velhos e ineficientes, desgoverno, confusão de valores
entre as pessoas, a insensibilidade diante da desigualdade, a ignorância diante
da natureza etc. etc. etc.
Como que as pessoas não
estão gritando de indignação com tudo isso? Como que nós brasileiros nos
separamos em nossas pequenas ideias egoicas colocando o país numa roleta russa?
Como as pessoas não estão gritando ao ver nossa floresta sendo devastada,
nossas crianças sem educação, com o número de pessoas sendo mortas por dia que
ultrapassa os mortos de países em guerra? Como não estamos gritando pelo nosso
direito de poder andar nas ruas sem medo? Como assim escolher entre a
passividade da manada ou o quebra-quebra da coisa pública? Como assim escolher
entre a greve de médicos e professores e motoristas que não são valorizados
neste país e alunos sem aulas, doentes morrendo por falta de atendimento e
população trabalhadora indo para casa a pé? Recuso-me a escolher um desses
lados. Tudo tão ineficiente, tão improdutivo, tão velho.
E foi assim que
desisti. E claro, alí naquele momento,
alguém repetia e repetia tanto aquela frase – “os brasileiros desistiram”
- que a dor da separação com o meu
próprio país, que eu nem sabia que existia, veio à tona.
No dia seguinte, acordei
ainda com esse sentimento. Andei pelos
caminhos verdes que levam da casa da Mirella e Tilly (amigas queridas que me
hospedaram) ao centro de Totnes.
No caminho, como não tem
acostamento, eu parava quando um carro passava ou ele parava para que a gente
se organizasse para ver quem passaria primeiro. Os motoristas acenavam com a
mão como que agradecendo e eu fazia o mesmo. Sentia o cheiro do mato e o
relaxamento no meu corpo, nos meus olhos, nos meus ouvidos. Me senti abençoada
por estar ali naquele lugar lindo e pensava onde é que no meu país eu poderia
andar daquela maneira, com tamanha tranquilidade por horas e não sentir
medo?
Durante o dia fiquei no
centrinho de Totnes.
Entrei em algumas lojinhas bem bonitinhas e, quando vi os
preços, achei tão barato que fui logo conversar com a atendente que me explicou
que alí, entre as lojas normais, havia 12 lojas que vendiam produtos de segunda
mão. Entendi então. Continuei perguntando como funcionava e ela disse que a
população fazia a doação e tudo era vendido ali e o dinheiro ia para alguma
instituição de caridade favorecendo os animais, ou pesquisa para câncer, ou
idosos etc. E ela ali oferecia um dia de
voluntariado para essa instituição. No ato da doação a pessoa preenche um
formulário onde ela e a loja serão beneficiadas na hora do imposto de
renda. Fiquei encantada com a iniciativa
e mudei meu conceito ou “preconceito” aos brechós que temos aqui no Brasil.
Depois descobri que a cidade tem muitos projetos legais para o bem estar das pessoas.
Tem um ônibus, o "Bob, the Bus" que leva as pessoas mais velhas ou com alguma deficiência - e eu vi o motorista
parar, descer do ônibus, ajudar o velhinho sair ou ajudar um cadeirante subir
no ônibus. Nossa, é muito tocante ver isso. Depois descobri que a cidade tem muitos projetos legais para o bem estar das pessoas.
Vi um “green supermarket”, um supermercado só de produtos orgânicos. Entrei, fiz umas comprinhas, conversei com a caixa.
Vi
pessoas se cumprimentando, ouvi um senhor me perguntar se eu queria ajuda
quando eu olhava um mapa e, mais tarde, ao encontrar com ele do outro lado da
rua, me cumprimentou e perguntou se estava tudo bem. Almocei comida
vegetariana, claro, berinjela, claro, num restaurante muito simpático.
Descansei perto do rio.....
e
visitei um castelo.
Depois voltei pela mesma estradinha verde sem acostamento,
uns 30 minutos para chegar à casa de Mirella e Tilley, já que sou meio lenta
para andar, principalmente em lugares bonitos e perfumados - distraio com
flores, cores, pedras, árvores e pássaros. A Tilley me indicou livros e
preparou um jantar delicioso com tanto carinho que também me tocou muito.
Contaram sobre os vários projetos da cidade e tudo que fazem por lá. Fiquei
muito feliz de saber que é possível fazer mudanças reais desde que não seja a
partir de velhos paradigmas.
À noite fui a uma
palestra de Satish Kumar – fundador da Schumacher College. Tinha fila, mas o lugar era tão bonito que nem me preocupei com a fila.
Ele falou sobre seu livro, que já estou
devorando, chamado “Soil. Soul. Society” (Solo. Alma. Sociedade)
mostrando que essas três palavras são uma maneira de dizer que nós somos todos
ligados, interconectados e interdependente. E que só podemos estar à vontade
com toda a humanidade através do cuidado com o solo, que é a fonte de toda
vida, literal e metaforicamente, já que a vida vem da mãe terra e retorna a
ela. O que está fora de meu corpo é solo, o que está dentro de meu corpo é a
alma. Assim como eu cuido do solo para crescer o alimento para meu corpo, eu
também cuido da minha alma cultivando amor, compaixão, beleza e unidade para
perceber a harmonia dentro e fora de mim. Quando estou à vontade dentro de mim,
estou à vontade fora de mim e estou à vontade com toda a humanidade. Ao cuidar
do solo eu sou membro da comunidade do
Planeta Terra e ao cuidar da sociedade eu sou membro da comunidade
humana. Enfim, nosso sofrimento e nossa dor acontece quando nos separamos do
solo, da alma e da sociedade.
E lá ele ficou falando
palavras que mais pareciam bênçãos sendo lançadas na minha dor reconhecida no
dia anterior. Ainda assim, no final, quando ele abriu para perguntas, precisei
perguntar: “Satish, sou brasileira e meu país tem muitos e profundos problemas.
Sinto a dor da separação com o meu país. Que dicas você me daria para eu não
sentir mais isso?” E ele: “Há muitos
brasileiros estudando aqui no Schumacher College e estão levando suas
experiências para o Brasil. Sabe, a Inglaterra tem problemas, a Índia tem
problemas, Totnes tem problemas, Schumacher College tem problemas. Todo mundo
tem problemas. Temos que abraçar os problemas. Não olhe os problemas como
problemas, olhe como oportunidades. Conecte-se com grupos que já estejam
desenvolvendo algo baseado nesse tripé “soil-soul-society”. Quando nos
conectamos a outras pessoas que estão pensando assim, isso nos alimenta. A dor que você diz sentir é a dor da
desconexão”. E reforçou: “Não olhe para os problemas como problemas, olhe para
eles como oportunidades. E você e todos nós, seres humanos, temos infinitas
oportunidades dentro de nós”.
Nem preciso dizer que as
lágrimas já desciam de meus olhos enquando a dor era dissipada. Senti uma
leveza e um sentimento de compaixão começou a despontar com relação ao meu
país. Nem sei por onde começar, mas brotou em mim um desejo de começar a fazer
alguma coisa que não seja ligada aos velhos paradigmas usados desde que o mundo
é mundo que não servem mais para nada, mas para algo novo onde não haja
desconexão, destruição ou violência.
Voltarei ainda a falar
desse livro fantástico que estou lendo num próximo post.
Adorei! Este post foi demais! Vou dormir leve! Obrigada por dividir suas deliciosas experiências! Boa noite!
ResponderExcluirAdoro os que tenho acompanhado... o de Findhorn me deixou morrendo de vontade de ir lá, aliás, tenho alimentando a idéia de ir pra lá como formatura da minha graduação.
Agradecida!
Abraço,
Paula Martinez
(Fizemos o curso de yogaterapia com o Márcio no ano passado)
Muuuuuuuuuuuiiiiiiiiiiiiiiiiiitttttttttttoooooooo bom !!!
ResponderExcluirGostei mto tb da colocação – “ Todo mundo tem problemas. Temos que abraçar os problemas. Não olhe os problemas como problemas, olhe como oportunidades “
Estou repassando
Abs
JP.
Isso ai Zezé podemos desistir da pátria não, isso é mais que futebol, carnaval ou política, isso é raiz e alguém sem raiz não prospera. Quem sabe é uma oportunidade para você montar a Schumacher College filial Brasil hehehehe, ou se preferir podemos chamá-la de Colégio Senna, para não perder a vertente automobilística.
ResponderExcluirSe Maomé não vai a montanha a montanha vai até Maomé.
Te coloquei numa enrascada agora hein?! heheeheh
Zezé até me emocionei com suas palavras e com seu sentimento e principalmente com as palavras do palestrante.Fiquei encantada com as fotos, embora algumas não apareceram, mas gostei muito. Curti muito;Estou com saudades. Beijos e parabéns pelos seus textos. Com carinho Rudi
ResponderExcluirMuito bacana o relato - e toda esta vivência :)
ResponderExcluirVc sempre é bem vinda aqui em casa.
Zézé Querida, preciso repetir a frase que vc ouviu, preciso compartilhar essa frase ao meu redor, preciso sentir que acredito nela..."Não olhe para os problemas como problemas, olhe para eles como oportunidades. E você e todos nós, seres humanos, temos infinitas oportunidades dentro de nós”. “soil-soul-society”.
ResponderExcluirGratidão sempre, e acredite, vc já planta sementes por onde passa, maravilhosa jardineira!
Beijos,
Adriana
Zezé, voltei no tempo ao ler este seu post. Voltei às 3 semanas que tive o privilégio de viver em Totnes (por sinal, foi sua a indicação) e sou muito grata por isso. Vivi, respirei e senti diariamente estas coisas acontecendo e também me fez pensar muito no nosso país, na nossa forma de lidar com as coisas. Grandes reflexões que sugerem muitas ações. Obrigado Zezé!
ResponderExcluirAdorei e compartilhei, Zezé.
ResponderExcluirBeijos,
Lígia
Que bacana ler o seu post! Daqui a 40 dias farei uma imersão de 4 meses no Schumacher e estou super ansiosa (no bom sentido). Sair de SP, com todas as mazelas de uma mega-city, num Brasil em profunda crise ética e econômica, para aquele paraíso, é como ter a oportunidade ímpar de vivenciar um refúgio para reflexão e encontrar alguma possibilidade de mudança interior, de redirecionar os projetos. Grande abraço! (ah, e quero conhecer a Mirella e a Tyllei, não deve ser difícil esbarrar nelas pela cidade!)
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