Dentro de mim existe um lugar onde vivo inteiramente só
e é lá que se renovam as nascentes que nunca secam.
P.Buch

23 de julho de 2011

Parar

Lembrei de mim criança brincando lá no quintal que parecia enorme da casa de minha mãe, debaixo da sombra arejada da parreira. Lá eu organizava umas latinhas ou caixinhas ou tampinhas de garrafas que serviam de pratinhos para bonecas feitas de sabugo de milho. Era um mundo de imaginação e criação com uma dimensão temporal totalmente diferente. As tardes eram longas e demoravam muito a passar, até que era chamada para tomar banho e jantar, lá pelas 6 horas da tarde. Tudo tinha ciclos. Era a parte da manhã na escola, depois o almoço com a família, depois o “arrumar a cozinha”, depois a lição de casa e depois toda uma eternidade debaixo da parreira. Daí vinha o banho, o jantar, a televisão era com a família, até o sono chegar. “Bença” mãe, bença pai”. “Deus te bençõe”. E a noite era longa.

Lá pelas tantas o galo cantava anunciando a manhã e a vida recomeçava preguiçosamente, com uma xícara de café com leite e pão e manteiga. E lá ia eu com minha malinha de couro com um caderno, um estojo e a cartilha Caminho Suave para o Grupo Escolar Felipe Cantúsio. E assim eu ia me transformando, fazendo perguntas e tendo algumas poucas respostas, insuficientes saciar toda a minha curiosidade em relação ao mundo e à vida.

Essa divagação toda foi para entender porque hoje o tempo parece correr tanto, porque todos estamos correndo, correndo, sem tempo para quase nada. Quantas pessoas que trabalham em empresas estão trabalhando mais do que as 8 horas firmadas no contrato, principalmente os mais jovens, que estão em suas melhores condições físicas, mentais e energéticas. Depositam no trabalho todo seu potencial e, muitas vezes, se frustram por não ter tempo para fazer outras coisas, coisas simples como, por exemplo, ver o pôr-do-sol ou ver o filho dançar na escola.

Nada de errado em trabalhar bastante desenvolvendo projetos que nos dão satisfação e desenvolvimento. Isso também nos energiza, nos dá vida quando sabemos que o que fazemos está em um contexto maior, que o que eu desenvolvo no meu dia-a-dia faz diferença para o planeta em que eu vivo, para a cidade em que eu moro, para meus companheiros de trabalho, para a minha família e para mim mesmo porque tudo está alinhado com meus valores.

Mesmo nesse contexto mais positivo, ainda assim, há que se refletir sobre a importância de parar. M. Scott Peck diz:
“Eu levo uma vida muito cheia e atarefada, e de vez em quando me perguntam:
Scotty, como é que você consegue fazer tudo o que faz?
A melhor resposta que posso dar é: passando pelo menos duas horas por dia sem fazer nada.”

Segundo o livro A Essencial Arte de Parar, “não se deve confundir ficar sem fazer nada com uma falta total de atividade. Não fazer nada é permitir que a vida aconteça – a sua vida. O objetivo de parar é avançar na direção que queremos, escolhendo o que é melhor para nós. Parar nos ajuda a ficar atentos à nossa vida e tomar consciência dos eventos que estamos vivendo. Ao parar nos acalmamos, principalmente quando nos sentimos sobrecarregados, sem saída. Parar não é fugir da vida nem evitar responsabilidades. É entrar na vida de maneira nova. É ter coragem de ir justamente onde estão nossos significados e valores e passar um tempo lá. Parar faz você ficar desperto e consciente do momento presente. Ajuda-o a recordar quem você é, de onde vem, para onde está indo e onde quer ir. Ajuda a recordar seus objetivos, ideais e sonhos originais.

Mesmo que você não obtenha respostas claras para muitas de suas grandes perguntas da vida, é vital continuar a recordar quais são as suas perguntas. Perder as suas perguntas é certamente se perder no caminho.

Uma vida excessivamente atarefada, distraída e dispersa também mata o poder da imaginação. Durante a pausa, a vida acontece, o valor e o significado adquirem forma, a alma aprofunda o seu alcance.”

Diz ele ainda que cada pessoa pode desenvolver seu próprio estilo de parar, podemos parar de diferentes modos e em diferentes momentos. “Algumas pessoas escolherão pausas breves como uma respiração, um momento a sós – que são ótimas e podem ser feitas em qualquer lugar e a toda hora, outras escolherão ir para uma partida de golfe, ou para a igreja, outras pelos momentos sabáticos que envolve olhar para a nossa competência, descobrir caminhos”.

Sabático é o afastamento do trabalho inspirado por uma motivação interna, objetivando uma revisão da vida pessoal ou profissional. Não importa a duração, se é de meses ou anos, nem o formato. Pode ser uma viagem de turismo, um curso no exterior, na verdade o que caracteriza um período sabático é o afastamento da rotina para verificar nossos recursos internos."

O importante então é estar consciente de que a vida é criada por causa das pausas. Existimos por causa das pausas. Se não houvesse pausas entre uma inspiração e outras nos sufocaríamos. “Parar então é importante para adquirirmos uma consciência mais elevada daquilo que nos cerca tanto perto quanto longe”.

E aqui eu fui longe... Ao tentar falar da importância de parar, no sentido de recuperar nossa própria vida, fui fazer uma pausa lá na linda parreira arejada no quintal de minha mãe no tempo em que eu era criança.

Chico Xavier certa feita foi consultado sobre como é que ele conseguia autografar mais de 2000 livros por noite,
depois das sessões habituais no Centro Espírita em que atuava, em Uberaba.
Com naturalidade, ele respondeu:
"Simplesmente vou autografando, de um em um..."

3 comentários:

  1. Brincar no quintal me traz boas lembranças da minha infância. Binquei muito no quintal da minha casa e como foi bom.

    Beijos,

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  2. Como sempre... demais!
    Pois é! É exatamente isto que estou sentindo estar fazendo: curtindo um período sabático!
    Depois de tanto excesso de trabalho... estou realmente procurando o norte para um novo período profissional com mais frutos efetivos para o planeta.
    E por incrível que pareça: estou curtindo muito!
    obrigada!
    Beijo
    Angela

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  3. Zezé, obrigada pela reflexão!

    Um beijo

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